Fotografias: José Nunes.
Muitas palmas para o explosivo concerto de Mler Ife Dada no CCB. Estiveram 20 anos sem pisar o palco, mas pisaram-no em grande e ofereceram-nos duas horas de música memorável. Numa sala repleta de espectadores assistimos a um dos grandes espectáculos dos últimos tempos.
Não consigo deixar de começar pelo marcante fim deste concerto que terminou em êxtase com a segunda actuação daquela que é a mais conhecida música da banda Zuvi Zeva Novi. Foi nesta fase que o público, que se manteve inibido ao longo de todo o concerto, finalmente se despojou da timidez, levantou-se e assistimos a um CCB ao rubro através da dança frenética que esta música inevitavelmente causa.
No início sentiu-se uma tensão ainda meio envergonhada de um palco e de um público que ainda não tinha aquecido. A partir daí a descontracção e o à vontade começaram lentamente a apoderar-se de Anabela Duarte que continuou em grande eferverscência, dando voz a tudo o que queríamos ouvir e sentir, destes grandes momentos da pop de uma banda que, apesar da sua longevidade, permanece intemporal. Sim, esta “mania” de empacotar a música por géneros não se encaixa nos Mler Ife Dada. É totalmente impossível de categorizar. É pop, é rock, é experimental. É tudo em simultâneo e a comprová-lo estiveram as novas adaptações musicais que fizeram através do contributo de uma série de músicos que mostraram em plenitude a versatilidade de Mler Ide Dada. Com Anabela e Nuno Rebelo estiveram Tiago Maia no baixo, Filipe Valentim nas teclas, Samuel Palitos na bateria e um trio de sopros e outro de cordas.
As luzes em perfeita harmonia com os vídeos (bastante dadaístas) iam ilustrando o que se estava a viver em palco. Assistimos também a alguns devaneios experimentais. Numa improvisação ao género de Meredith Monk, Anabela Duarte vociferou uma série de palavras, ruídos e onomatopeias dignas de destaque.
Teatral, expressiva e com uma daquelas vozes que nos tocam a alma a vocalista iniciou a sua performance com a música Nu Ar, seguindo-se Dance Music e Música do Homem que Anda, todas elas do álbum de 1989 Espírito Invisível.
Eis que surge um momento irónico e bem disposto com o tema À Sombra desta Pirâmide com a cantora a transformar-se numa espécie de Cleópatra com as Pirâmides do Egipto como pano de fundo. Em seguida vivemos vários momentos que passaram pelo vaudeville, pelo folk, pelo fado e até pelos ritmos cabo-verdianos de Siô Djuzé.
Entretanto a banda saiu de palco e sentimos um ligeiro arrepio “será que não vão voltar?”. Mas no íntimo sabíamos que voltariam. Afinal não tinha passado tanto tempo assim e as luzes não se tinham acendido. Eis que Anabela volta em grande com uma performance em volta de um dos temas que aprecio particularmente L'Amour Va Bien, Merci (86) envolta nos seus delírios experimentalistas de sussuros sexy em que simula uma conversa telefónica que se vai desenvolvendo ao longo de toda a música. Pensamos “Anabela foi feita para os palcos”. E foi mesmo e voltou a surpreender-nos quando volta envolvida numa capa vermelha e interpreta Sei quem Ele É de Madalena Iglésias.
De novo prontos para o encore (sim, existiram vários) Anabela regressa com a sua poderosa voz para interpretar Loosing Yelav, canção que fez questão de dizer que não iríamos gostar mas enganou-se redondamente e mais uma vez para além da emoção assistiu-se a um público sublimado pela emoção.
Resta dizer que queremos mais concertos e pedimos encarecidamente aos Mler Ife Dada que continuem pois estamos a precisar de bandas que nos estimulem desta forma.