Fotografias: Jorge Gonçalves.
Vontade em empurrar a cadeira. Saltar a terceira e segunda fila, agarrar-te no braço e dizer: Não o faças! Não concordo com tudo o que escreveste no teu diário e nos gritaste à consciência. Mesmo assim. Fui covarde. Imóvel. Com a idade aprendi que ainda se pode projectar ilusão e acreditar no futuro através das pessoas que vamos conhecendo? Sim, sem dúvida. Céptico em relação, ao pouco, que poderia ter feito? A minha decisão alteraria a tua ou simplesmente a reforçaria? Céptico e descrente na minha capacidade argumentativa, também, e muito. Se poderia prometer mudar o sistema? Iludir-me-ia e iludir-te-ia. Não sei. Se alguma vez encontrasse justificação recusar-me-ia a responder-te; como tu com os teus professores. Simplesmente diria – não o faças! Se me perguntas o porquê respondo-te – n-ã-o s-e-i.
A 20 de Novembro de Lars Norén, em cena no Teatro da Politécnica (Artistas Unidos), é uma convocatória. Enquanto espectadores, providos de consciência, somos puxados. Devemos participar. Lars Norén, com base no diário de Sebastian Bosse, compõe exercício meticuloso e apurado de fidelidade ao texto original. Estrutura-o sem necessidade de alterar ou acrescentar. Cerze com silêncios. É no diálogo permanente entre palavra dita, mais exactamente debitada, e silêncios, que nos fixa. Fixa-nos no tempo – Uma hora e doze minutos antes do ataque à escola e respectivo suicídio. E fixa-nos no espaço – em casa de Sebastian, Emsdetten, Renânia do Norte-Vestfália. Não há escapatória. Temos que o escutar. Incomoda-nos. Nem sempre de acordo, mas temos de o escutar. Sem margem para distracção. Ele enfrenta-nos. Faz-nos recordar a nossa condição – somos elementos da sociedade. Somos culpados: homens, mulheres, turcos, neonazis, ciganos, judeus. Todos. Somos todos culpados. Na culpa de protelar decisões, de não ter alterado o sistema de ensino, na incapacidade de compreender a diferença, na adulação dos bens materiais e na consequente diferenciação social através dos telemóveis, consola de jogos, carros. Todos, excepto a família. Para eles, agradecimento. Agradecimento em forma de pedido de desculpas. Desta enumeração exaustiva, caótica, voraz, tingida no ódio e desordem há outros seres que escapam – os anjos. Serão os anjos os únicos a não falar em “eu” (a palavra mais dita em todo o universo)? Possuidores do entendimento que Sebastian procura, mas não reclama? Encontrará Sebastian, na morte, o sentido para as suas perguntas?
João Pedro Mamede através de interpretação pungente, da guelra, empurra-nos para o universo de Sebastian, para dentro de nós. Começou a ler o texto com a mesma idade do protagonista e acompanho-o até hoje. Não é interpretação de dias, mas sim de anos.
Pelo texto, encenação e pelo trabalho de João Pedro Mamede, nome a ter em atenção, é obrigatório passar pelo Teatro da Politécnica. Apatia, desinteresse, encolher de ombros não são permitidos. Ou são, mas neste caso, a nossa ausência é a nossa culpa.
A 20 DE NOVEMBRO de Lars Norén Traducão Francis Seleck Com João Pedro Mamede Direcção Francis Seleck Fotografias Jorge Gonçalves Produção Cena Múltipla / Associação Cultural O Mundo do Espectáculo Apoio Câmara Municipal de Almada Agradecimentos Catarina Pé Curto e André Pais.
Em Lisboa, Teatro da Politécnica, 19 de Novembro a 7 de Dezembro
3ª e 4ª às 21h00 | 5ª e 6ª às 19h00 | Sáb. às 19h00 | M16