#10 SHORT TERM 12, de Destin Cretton
Se esta lista se chamasse “Os 10 Melhores Filmes de 2013 Feitos Com Pouquíssimo Dinheiro”, Short Term 12 estaria certamente mais acima, talvez até em primeiro lugar. O estigma do cinema independente americano tem-se acentuado, e a verdade é que se torna cada vez mais difícil perceber o que é ou não “independente”, quando a própria estética já começa a ser imitada e re-imitada, com as shaky-cams exageradas e as personagens coloridas, mas esta pequena pérola eleva-se acima de qualquer imitação. Todo o sentimentalismo deste filme existe em direito próprio e é impossível não lhe nutrir um carinho muito genuíno – tudo isto tem, em grande parte, a ver com Brie Larson, aqui com uma das mais grandiosas interpretações do ano.
#9 THE HUNT, de Thomas Vinterberg
O sempre desafiador cinema dinamarquês trouxe-nos, pela mão de um dos seus mentores modernos, um dos filmes mais desconfortáveis do ano, tocando, de forma raramente vista, no tema do abuso sexual de menores. The Hunt é desconfortável precisamente pela forma como toca no assunto, explorando a vitimização não da criança pelo adulto mas do adulto pela criança e confrontando-nos com a nada popular ideia de que as crianças mentem e podem fazer tantos danos como qualquer adulto. Vinterberg faz isto, contudo, com a maior sensibilidade e humanismo possíveis, criando um retrato duro mas também íntimo sobre a família e as relações humanas, com o grande Mads Mikkelsen no centro, a mostrar mais uma vez que é um dos mais talentosos actores da actualidade.
#8 PRISONERS, de Denis Villeneuve
2013 foi definitivamente o ano de Denis Villeneuve. O canadiano atirou para o mundo, assim como se nada fosse, dois filmes, ambos com Jake Gyllenhaal: Enemy, adaptação de O Homem Duplicado de Saramago, e este Prisoners, um thriller à partida convencional sobre um tópico já um pouco gasto, mas tornado em algo bem mais que convencional pela abordagem negra e de pulso acelerado de Villeneuve. Com muito de Fincheriano – tenso, violento, psicológico –, é um daqueles thrillers que nos fazem, passo o cliché, agarrar à cadeira, com um desenlace que nos fica a remoer no cérebro durante as semanas seguintes.
#7 GRAVITY, de Alfonso Cuarón
Provavelmente o mais megalómano (no melhor dos sentidos) dos presentes nesta lista, Gravity é aquele filme que hoje em dia parece nunca faltar, todos os anos, com presunções – assumidas ou atribuídas – de “mudar” o cinema ou de lhe trazer algo de novo. Com sucesso, neste caso, na forma como Cuarón consegue criar uma experiência incrível e assustadoramente realista do que será o espaço (um jornalista em dada conferência de imprensa perguntava-lhe como tinha sido filmar para lá da atmosfera), resultando num filme de ficção-científica pavorosamente claustrofóbico e verdadeiramente visionário. Perde alguns pontos pela menor qualidade de um argumento comparavelmente mais fraco, mas os que ganha em quase tudo o resto compensam e de que maneira.
#6 FRANCES HA, de Noah Baumbach
O legado das comédias a preto-e-branco de Woody Allen passadas em Nova Iorque nos anos 70 esteve bem vivo em 2013 na forma de Frances Ha, mais um “indie” que transgride classificações e vai buscar inspiração um pouco a todo o lado. Para além de Woody, não há como não sentir a vitalidade e simultâneo desencanto da juventude da Nouvelle Vague, tudo isto filtrado pelo humor muito caracteristicamente sarcástico de Noah Baumbach (“I'll probably read Proust, because sometimes it's good to do what you're supposed to do when you're supposed to do it”), num argumento de uma inteligência raríssima co-escrito com a fabulosa Greta Gerwig. Representa, também, mais uma pequena vitória para o cinema digital, tendo sido filmado por inteiro com uma Canon 5D.
#5 SPRING BREAKERS, de Harmony Korine
Talvez seja um exagero dizer que Spring Breakers foi o acontecimento cinematográfico do ano, e talvez não seja. De longe o filme mais amado e ao mesmo tempo odiado, capaz de arrancar reacções extremas mas nunca indiferentes de um público que não sabia exactamente o que esperar, essa dualidade normalmente é suficiente para se perceber o valor de um filme. No caso de Harmony Korine, parte provocador parte porta-voz do underground americano, é um pouco a consequência óbvia seja que filme fizer. Aqui, pegou em cinco all american girls (incluindo uma ex-princessa da Disney) e pô-las dentro de um cocktail de drogas, sexo e violência na Florida, para nosso deleite visual, bombardeando-nos com excessivos estímulos visuais e forçando-nos a encarar de frente o estado de actual cultura popular.
#4 POST TENEBRAS LUX, de Carlos Reygadas
O regresso do virtuoso mexicano Carlos Reygadas era, também ele, um dos acontecimentos do ano e Post Tenebras Lux é, também curiosamente, outro filme imensamente polarizante e divisor de opiniões. Reygadas é o tipo de cineasta que leva cinco anos a fazer um filme, e a razão para esse demoroso processo é o facto de querer meter lá dentro toda a essência do ser-humano. O seu cinema é expansivo e introspectivo por natureza, sendo este o filme que leva a sua ambição mais longe, para lá da comunidade Amish de Silent Light, à procura de uma espécie de retrato global. As personagens não são bem personagens, assemelhando-se mais a pessoas aleatórias a serem observadas, como num documentário cósmico, e a linha narrativa não existe. O que estamos a ver pode perfeitamente ser a existência dessas tais pessoas ou uma alucinação colectiva, e não há explicações nem satisfações. Mas há uma multitude de emoções e sensações em bruto, à espera dos mais sensíveis a elas.
#3 LA VIE D’ADÈLE, de Abdellatif Kechiche
A reputação do Palma de Ouro de 2013 precedeu-o durante grande parte do ano, com uma troca de testemunhos entre realizador e actrizes que rapidamente se tornou em novela a ajudar, não intencionalmente, ao interesse em redor do filme. Europeu e francês dos pés à cabeça, La Vie d’Adèle é tão auspicioso quanto sincero, beneficiando, é certo, da tal reputação que as cenas de sexo lésbico semi-explícitas provocaram, mas indo muito além disso. Com quase três horas de duração, o sexo em si acaba apenas por desempenhar o papel que tinha que desempenhar numa história de auto-descoberta que se recusa a idealizar o amor, seja ele entre mulheres, homens, ou mulheres e homens, e insiste em mostrá-lo em toda a sua beleza imperfeita da qual corpos nus são parte integrante. Kechiche percebe esta necessidade de nudez literal e emocional, conferindo ao filme uma intimidade e profundidade palpáveis que tem em Adèle Exarchopoulos a sua alma, corpo e tudo o resto.
#2 BEYOND THE HILLS, de Cristian Mungiu
Cinco anos depois de 4 Months, 3 Weeks and 2 Days (também ele Palma de Ouro), filme que catapultou a nova vaga romena, Cristian Mingiu volta com mais um exercício em ambiguidade moral, desta vez focado na religião e nos seus perigos enquanto instituição social. Igualmente austero e psicologicamente sufocante, a mise-en-scène rigorosa de Mingiu ajuda a criar uma atmosfera de loucura latente em que a instabilidade das personagens se torna na nossa e a tensão é magnificada a cada minuto em direcção a um soco final que nos deixa KO. Há uma certa procura por algo não identificável, uma qualquer verdade absoluta, neste novo cinema romeno, que se preocupa tanto com o lado social do Homem como com a sua humanidade inerente – e qualquer filme que faça isso está a melhorar o mundo só por existir.
#1 BEFORE MIDNIGHT, de Richard Linklater
A última parte da trilogia de Richard Linklater, Julie Delpy e Ethan Hawke, iniciada em 1995 com Sunrise e continuada em 2004 com Sunset, encerra a história de Jesse e Celine de forma perfeita. Se os dois filmes anteriores se focavam, respectivamente, na idealização romântica e na tentativa de recapturá-la durante a idade adulta, Midnight olha para aquele período seguinte em que duas pessoas apaixonadas já passaram por todo o processo, já casaram, tiveram filhos e agora têm que decidir se realmente passam o resto da vida juntos ou não, se a tal “chama” é forte o suficiente para não se extinguir pelo caminho. Este filme está para a casa dos 40 como os outros dois estão para as dos 30 e 20, acabando a trilogia por funcionar como um ensaio sobre o próprio acto de crescer e passar por estas três fases distintas, não se limitando à gaveta do romance mas ao crescimento como um todo. A parte mais mágica é mesmo ver estas personagens, nascidas há 18 anos, crescer perante os nossos olhos e reconhecê-las enquanto criações que se tornaram quase reais enquanto existiram na tela. Essa sensação é preciosa de uma forma quase inexplicável, e é isso que faz deste o melhor filme de 2013.