MÚSICA

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Fotografias: Site Altamont.

A crepitar. Vermelho vivo. O fogo não é imagem, mas música. Um acorde, outro e um mais forte. Com Anna Calvi a certeza que não se apagará. O que faz das noites glaciais, aconchego. Não é necessário chegar à versão de Fire, original de Bruce Springsteen, e quase no final do concerto, para nos consumirmos. A guitarra, a voz e a epidérmica blusa vermelha. É força centrípeta. Na geometria da triangulação cria o centro. A partir daqui somos Ícaro, sem medo de nos queimar.

Com ela estamos e partimos. Hipnotizados pela sua força, ali. Ficamos e saímos para os nossos mundos. De uma, duas, três ou mais paixões porque há vermelho, há fogo sempre, desejo e paixão, materializáveis ou não, reais ou imagináveis como Romeu e Julieta. Um respiro, ou antes, de um só fôlego. Vermelho, sempre.

Não viveremos sem ela, nem Anna Calvi sem a voz e guitarra. Ao início, a outra metade, a voz, soava algo baixa. Pura ilusão. A guitarra e a voz. Sempre as duas. Crescem em simultâneo. Brian Eno já tinha avisado: “Nos últimos anos só duas cantoras me entusiasmaram - Patti Smith e Anna Calvi”. Confirmámo-lo. Sussurros, exaltação e paixão. Com a guitarra acordes lancinantes, solos estonteantes, mas sempre no limite do bom gosto e, por vezes, a soar a contrabaixo. A materialização de um coração em sobressalto? Muito provavelmente.

É nas camadas de vermelho, qual Rothko ou Antonioni, que se torna entranhável. Na ilusão da monotonia, o que se desvenda são universos próximos com múltiplas cambiantes. Para isso, contribui uma secção rítmica acima da média (não é apanágio dos grandes rodearam-se dos melhores?) e uma timidez que se vai destapando. Um “Thank you” sussurrado ao fim da sexta música e pouco mais. A música, e sempre ela, como mensageiro.

No campo das emoções, em vermelho vivo, e o público rendido. Em Desire, as cadeiras são grilhetas, em Jezebel, em todos os encores que se desejam, mas que se reduziram a dois, ou na capacidade em silenciar palminhas. A exaltação é interior, não é colectiva.

I have a tribe, ou tribo de pessoa só, foi primeira parte. Se teve influência numa noite memorável? Não necessariamente, mas revelou ser escolha acertada. Neste caso a guitarra foi substituída por piano. As perturbações interiores permaneciam. A descobrir sem sombra de dúvida.

“I will be your man” soa ainda. Não se responde. Se gostava? Há sempre um ínfimo sentimento de posse. Mas mais. Desejamos, ardemos na liberdade de Calvi, e como Bogart, perante Bergman só há vontade possível - amar nas memórias e, que em novo reencontro, se possa pedir – “Play it again, Anna”.

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