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Especulação, futurologia, contabilidade e aDrogaria no Arbag

O projeto nascido no Porto em 2020, aDrogaria, instalou-se temporariamente em Lisboa, no espaço do ARBAG.

Nascido na antiga Drogaria da Corujeira, o projeto coletivo assenta num hibridismo colaborativo que privilegia a desierarquização, tanto ao nível conceptual como ao nível dos espaços que ocupa. 

Uma drograria, um lugar da vida quotidiana nos subterfúgios da sociedade civil, não alinha com a lógica de espaço sacralizado e burocratizado de um museu institucional. A drogaria é o “lugar ali do lado”, acessível a qualquer pessoa onde se podem contar os meios para fazer e resolver (quase) tudo.

Numa das artérias da cidade de Lisboa, no bairro da Estrela, e no epicentro dos recentes debates e manifestações em torno da especulação imobiliária, a drogaria abre um gabinete que concilia contabilidade, futurologia e um bar. Técnico Oficial de Contas, foi o nome dado a esta ocupação.

Ao passar pela rua e olhando para a montra do projeto, poder-se-ia assumir que este se trata de mais um negócio que sobrevive graças a uma vista dourada no meio do panorama insustentável que pauta a habitação em Portugal com a sua geografia à venda. Uma montra com vidros impecavelmente limpos, um conceito surrealista e um lettering apelativo. As cartas estão lançadas.

Servindo-se da modalidade do disfarce, que torna eficaz a diluição dos limites entre objeto artístico e contexto “real”, ao entrar no ARBAG entravámos num escritório.

Uma secretária, uma caneca de café, um caderno aberto e algumas operações numérica escritas a lápis (ainda há quem faça contas há mão). No entanto, neste cenário existiam muitos elementos destoavam a normalidade aparente

Velas acesas, pedras que canalizam energias, e bem no centro da sala, uma impressora que cuspia folhas sem parar. Papéis empilhavam-se no chão à velocidade da luz, deixando quem entrava confuso. 

Pegando na papelada, era possível encontrar faturas que ditavam previsões de futuro. A impressora, ícone da burocracia, desempenhava o papel de vidente gerando um acontecimento no meio da sala que à primeira vista poderia parecer um erro. 

Como se podia ser no slogan da fachada do gabinete, “queres saber quanto tempo vais viver e quanto dinheiro precisas de fazer?”. A contabilidade e o futuro encontraram um espaço para coabitar.

Ao descer as escadas, entrávamos ainda no submundo deste negócio. 

Por baixo do gabinete, exista um bar no qual os visitantes podiam tomar um copo de vinho enquanto ouviam música de rádio fazendo contas à vida. Um lugar dedicado ao escapismo da vida ordenada e contabilizada.

Camada por camada, a drogaria, fazendo uso da encenação e ocupação, alia humor e uma sensibilidade focada no presente – uma marginalidade recentrada que dá a experimentar o terreno do insólito, no seio de uma cidade onde já pouco nos surpreende.

aDrograria decorreu de 15 a 16 de setembro.

Rita Anuar (Vila Franca de Xira, 1994), é investigadora interdisciplinar, licenciada em Ciências da Comunicação, Pós-graduada em Filosofia (Estética) e mestre em História da Arte Contemporânea, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Integra o grupo de investigação em Literatura, Filosofia e Artes (FCSH/IELT), desde 2020. Interessam-lhe os cruzamentos entre artes visuais, filosofia e literatura, a indisciplina e o vento. À parte da sua atividade como investigadora, escreve poesia.

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