Portraits for English to see no The Africa Centre
“Para inglês ver”
No segundo andar do The Africa Centre, a Sul do Tamisa, numa sala pintada de azul-marinho vive (até 28 de outubro) o equilíbrio temporal de passado, presente e futuro que é a obra de René Tavares. Portraits for English to see marca a sua primeira exposição a solo no Reino Unido.
No contraste das vestes brancas sobre pele negra e sobre negro da terra, brilham os olhos no escuro, que nos garantem “estou aqui”. Pintura texturada, semelhante à terra, expressiva, viva, as pinceladas parecem ainda estar em movimento, prometem inércia, mas parece que se mexem cada vez que viramos costas.
No não-movimento do retrato, na assimilação do tempo, misturam-se fundo e frente, dissipam-se entre a natureza, os contornos esbatidos dizem-nos que pouco há que os separe, que este espaço é deles, que são um e outro.
Cenas mundanas construídas, inspiradas nos arquivos, quando os trabalhadores eram obrigados a posar em roupas brancas de modo a marcar existência sem vontade. Tavares subverte estas cenas pelo ato de ser o próprio a pintá-las, criando um “safe space” que gera autoria e identidade aos retratados, como que emancipados do espaço em que se encontram, sob um novo olhar que reimagina o “eu” no espaço social, um espaço não comandado, mas adquirido.
É do sentimento de pertença e da importância da ressignificação que nascem as duas séries expostas Portraits for English to see e Cotton people reloaded, um retrato nem sempre implica o olhar direto com o espectador, mas estas figuras olham-nos com certeza e com orgulho, pedindo para serem vistas.
Por entre as figuras é predominante a presença da figura feminina, representada sozinha ou prevalecendo entre retratos de grupo. Duas das pinturas mencionam a palavra avó, divididas entre memórias e tesouros, símile a imagens divinas e altares, a pintura reúne objetos que se supõe de carinho ou personificação. Esta inserção no divino, e o retratismo no geral são processos importantes de recondicionamento de icons do cânone ocidental. A imagem destas mulheres é enaltecida tanto a nível pessoal do artista, na presença do familiar como para o público em geral pela simples representação.
Apesar das várias teorias, a mais popular sugere que a expressão “para inglês ver” originou no Brasil, no século XIX quando Inglaterra pressionou a implementação de medidas para combater a escravatura. Apesar da efetivação da Lei Feijó, que proibiu a importação, o trafico e trabalho escravo interno continuo, e a medida foi considerada um véu para manter a aparência.
Em subversão, as roupas brancas aparecem como elemento de provocação e reinvenção, um véu à história e uma afirmação renovada. A exposição sugere uma liberdade e pluralidade da identidade racial e cultural, construída continuamente com atenção tanto no passado, como no futuro, como no presente. Tavares transcreve para este espaço, em título como em conceito, a ideia de que a cultura negra é essencialmente híbrida, um produto de séculos de intercâmbio, escravatura e deslocação através do Atlântico, teoria descrita por Gilroy, no seu livro O Atlântico Negro.
Para inglês ver o que vem do mundo Lusófono.