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A reprodução sem repetição de Rita Ferreira

A nova exposição de Rita Ferreira, Fac-símile, acolhida pela Galeria 3+1 Arte Contemporânea e patente até 6 de janeiro, anuncia ao que vem na folha de sala, que contém somente os títulos das obras e o currículo da artista. Pretende-se desde logo estabelecer a ideia de obras sem discurso complementar, não conceptuais, mas experimentais.

Há nestas obras três eixos históricos subjacentes: a independência da cor, que começa o seu percurso no modernismo, sobretudo no fauvismo, e continua mais tarde no color field do pós-Segunda Guerra; a ideia de industrialização do ferro que o molda de novas formas; e a pop art, em que pela primeira vez se fala na repetição e uniformização dos objetos contemporâneos. Fac-símile contém todos estes espaços cronológicos e as suas obras são os diálogos que entre eles se criam.

O fenómeno da cor pura, simplificada à forma, absorve-nos. Um mundo de vagas formas em cores pesadas, mas não fortes, desmaiadas por uma pintura a óleo leve e o material em que assentam. Elas são o cartão de visita. As formas orgânicas (anéis, linhas, formatos animalescos, circunferências), assentam em azuis, castanhos, roxo, bege, amarelo, peça a peça. O não-figurativo reina.

No caso dos materiais, a arte contemporânea habituou-nos a propor questões quanto ao suporte do objeto artístico. Também aqui Rita Ferreira vai trocar as experiências anteriores em tela e contrapor à parede branca metal pintado, mantendo, no entanto, uma continuidade de traços e gestos – os mesmos que a levaram à exposição do Prémio Novos Artistas Fundação EDP 2022.

As escadas de metal que separam os dois pisos da exposição, por sua vez, correspondem o barulho à imagem exposta, tateando texturas das obras. No imaginário da cinematografia, os espaços de ferro velho são espaços de liberdade. Sítios onde se espalmam objetos já sem utilidade, mas muitas vezes locais onde as pessoas participam da possibilidade de destruição como libertação. Um escape. O material usado pela artista relembra esse ferro espalmado, coberto de tons monocromáticos.

O suporte é transversal, relembrando que a tela é o objeto que sempre revemos quando mergulhamos na pintura. Mas esta repetição não é warholiana, ela não é realmente um fac-símile, muda na execução, por vezes com traços de alguma qualquer fauna ou flora indefinida. Se a mimesis da realidade é o que caracteriza o figurativo, a repetição de materiais em criações abstratas convida à comparação, marca um ritmo.

À saída, é possível levar uma edição manual do discurso e obra The Splash of a Drop de Arthur Mason Worthington. Nesta peça, o processo de construção artística parte, assim, do discurso para o ensaio laboratorial; de elementos reais e fenómenos do estudo da física, experimentando a queda de vários líquidos (água, mercúrio, leite) em diferentes superfícies. Além do aceno histórico à técnica de fotografia em velocidade, aqui utilizada como uma ferramenta de obter resultados científicos, e que antecede o que virá a ser uma técnica fundamental para o trabalho artístico, o nível de especificidade da teoria da mecânica dos fluídos é preservado na reprodução da reedição. O espetador traz, portanto, a síntese da exposição consigo no bolso.

Inês Almeida (Lisboa, 1993) é licenciada em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, é mestre e doutoranda em História Contemporânea pela mesma instituição. Recentemente terminou a Pós-Graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do colectivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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