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Pela Parede Dentro de Pedro Pousada no Banco das Artes Galeria

Os trabalhos expostos na project room do Banco das Artes Galeria, em Leiria, da autoria de Pedro Pousada e com curadoria de António Olaio, transportam uma linguagem artística localizável algures entre as primeiras e as segundas vanguardas. Estes desenhos e pinturas são herdeiros “da conquista das qualidades da superfície pictórica, da sua condição plana, que vem de artistas como Bonnard ou Matisse, mas são sobretudo celebração dos volumes pictóricos pós-superfície de Tatlin, El Lissitzky, Malevich. Pintura que integra a ambiguidade entre o plano e o que se projeta para a frente, para além dele.”[1]

Temos, sobretudo, a sensação de estarmos perante uma multidão cujas personagens que a compõem comportam elementos que se apresentam entre a homogeneidade e a idiossincrasia. Estes seres pictóricos transportam os seus próprios tempos e os seus modos de apreensão do real, de tal modo que parece que lhe tomaram a forma, como se fossem o que veem, não um ver direto, mais o ver que fica em nós depois de vermos. É claro que podemos dizer que somos o que vemos, mas não de uma forma tão plástica como nestes trabalhos de Pedro Pousada, onde o olhado, que no limite é o visitante da exposição, contribui para essa transmutação dos rostos. Uma questão: estarão estas faces iguais no final dos seus tempos de visibilidade? Haverá alguém capaz de o garantir, seja qual for a resposta?

Este é, definitivamente, um dos caminhos da pintura: representar o eco do real, na assunção de que importa mais olhar para dentro que para fora. Numa abordagem literal, importará mais o lado de dentro da parede que o lado de fora. A pintura, assim, torna-se uma súmula de ecos, onde o gesto plástico tem o mesmo valor que a ausência de gesto, ou onde a própria absência do gesto pode, também ela e no limite, ser plástica. Onde, por fim, o gesto criador perde para o gesto destruidor. Decisões que se tomam, conscientemente ou inconscientemente, através de uma ancoragem na estrutura da história da arte, que muitas vezes se transmite através do tempo mais pelo gesto que por outro meio, numa construção milenar que estará sempre no interior do suporte que recebe uma obra. No final do mundo, o real que deixará de existir pertence a uma outra pintura, anciã.

A latência do viver, a matéria que reverbera entre a vida e o vivente, essa está nas mãos da contemporaneidade, não só da “nova pintura”, mas em todas as outras práticas que, sem qualquer pejo, abordam o para já indizível, na certeza romântica de que não é por não sabermos dizer agora que não saberemos dizer nunca. Essa ação, esse caminhar pela parede dentro pode simbolizar a busca pelo núcleo da obra de arte, pela sua camada que mais nada mostra, mas que tudo dará a sentir. Uma busca pela definição da tal reverberação entre o indivíduo e a existência, aqui alegorizada na relação entre a pintura e a parede que a suporta.

Pela Parede Dentro, de Pedro Pousada, está patente no Banco das Artes Galeria (BAG) até 3 de março de 2024.

 

[1] Do texto de folha de sala, da autoria de António Olaio.

Daniel Madeira (Coimbra, 1992) é licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da mesma universidade. Coordenou, entre 2018 e 2021, o Espaço Expositivo e o Projeto Educativo do Centro de Artes de Águeda. Atualmente, colabora com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC).

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