Contracto Natural, na Saco Azul
Contracto Natural, com curadoria de Bruno Leitão/HANGAR, na Galeria Saco Azul – Associação Maus Hábitos (Porto) até 30 de dezembro de 2020, coloca a obra de seis artistas em diálogo, em que cada prática artística surge de premissas acerca do extrativismo, o ecossistema que nos sustenta e o nosso modelo de desenvolvimento, através de um pensamento crítico e de uma perspetiva política.
Bruno Leitão, na folha de sala, afirma que “em Le Contract Naturel, Michel Serres refere-se à nossa relação com os objetos como uma relação sumarizada pela guerra e pela propriedade”. De acordo, Serres no livro com o título homónimo ao da exposição, questiona sobre a nossa ação em relação às alterações climáticas, devido às atividades industriais, que provocam a emissão de milhares de toneladas de monóxido de carbono e outros resíduos tóxicos na atmosfera. Ressalvando que estamos presos num ciclo vicioso de consumo excessivo dos recursos da Terra.
O filósofo francês afirma que “todos os danos infligidos ao nosso planeta até agora são semelhantes à devastação de uma guerra mundial”. Efetivamente, o autor justifica a aceção reiterando que o acontecimento mais relevante do século XX foi o desaparecimento da agricultura, em detrimento do desenvolvimento da indústria, que levou a que deixássemos de ter uma ligação à natureza e a vivermos ao seu ritmo, na transformação de tudo em mercadoria, a um tempo desenfreado e à escala global. Portanto, aferimos que para além da guerra, a outra relação que temos com os objetos é de propriedade, pois excluímos todos os outros seres vivos do planeta, devido à apropriação exclusiva das coisas. Serres ainda sugere que para voltarmos à natureza, devemos rescindir do contrato estritamente social e acrescentarmos um contrato natural, em que a nossa relação com os objetos deixará de ser de domínio e de posse e passará a ser de contemplação, respeito e reciprocidade.
Em Contracto Natural, a partir de Michel Serres, o curador exibe no espaço expositivo a escultura de Andreia Santana, Soul house for Hugo (2020) que repensa a nossa relação com os objetos, não como algo de uso humano, mas uma perpetuação da nossa existência, como as esculturas funerárias. O desenho de Jaime Lauriano America: democracia racial, melting pot e pureza de razas (2020) que recria, através de um mapa, as navegações e os “descobrimentos do novo mundo”, com materiais alusivos à violência do sistema de colonização, reforçando a exploração dos corpos e do solo. A série fotográfica de Yuri Firmeza Ouro branco, inferno verde (2018) resultado de uma investigação sobre as ruínas da Fordlândia, o projeto falhado de Henry Ford, que nos anos 1920, pretendeu criar uma plantação de látex na Amazónia e por último, a instalação Le cimetière des éléphantes (2020) de Jérémy Pajeanc, artista que trabalha sobre os fluxos migratórios e os grandes êxodos que formaram a nossa cultura ocidental contemporânea.
No auditório da associação, tanto a performance de Diana Policarpo Death Grip (2020), que surgiu de uma investigação no Nepal, sobre mulheres que colhem o fungo Cordyceps, onde para além de pagarem uma licença ao estado, os seus corpos sofrem um alto custo. No filme Eldorado XXI (2016) Salomé Lamas faz uma reinterpretação etnográfica dos modos de vida contemporânea, onde a realidade das minas dos Andes peruanos é uma espécie de ilusão, onde os mineiros trabalham arduamente, na esperança de que ao final do mês poderão explorar a mina para seu proveito.
Se na última década do século XX, Serres em Contract Naturel alertou que a humanidade estaria a alcançar os limites do seu habitat natural. No final de 2020, o jornal inglês The Guardian anunciou a publicação de um estudo que confirma que a atividade humana, impulsionada sobretudo pelo aumento do consumo e do desenvolvimento urbano, excede a biomassa total da Terra. A exposição Contrato Natural permite justamente refletir sobre a nossa ação prejudicial ao planeta, fruto do nosso sistema económico, político e social.