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O meu corpo, este papel, este fogo, de Pedro Barateiro

Pedro Barateiro é um artista com uma voz ativa na crítica social e política. A sua obra é interventiva e não tem medo de incomodar interesses instalados. Se toda a obra é política, o corpo de obra de Barateiro assume-o ou melhor, grita-o. E é isso mesmo que podemos ver no vídeo que titula a exposição O meu corpo, este papel, este fogo, que teve uma primeira versão em 2018, mas foi refeito já este ano. Este vídeo parte da série de manifestações estudantis que aconteceram entre 1991 e 1994 contra o aumento das propinas e contra a prova global de acesso ao ensino superior, que mostraram uma agressividade policial e política já esquecida. Mostraram também uma população estudantil enraivecida, que Vicente Jorge Silva apelidou de Geração Rasca, alcunha infeliz que em 2011 foi ajustada para Geração à Rasca. Este vídeo é narrado na primeira pessoa, já que o artista confirma que esteve presente, embora a sua voz esteja destorcida, lembrando algumas reportagens em que, por segurança, só vemos vultos e vozes destorcidas que acabam por ser assustadoras. Tendo em conta que só a partir de 2012 o artista começou a utilizar o seu próprio corpo e a presença nas suas obras, questionamo-nos se será ainda alguma timidez residual.

O meu corpo, este papel, este fogo mostra não só as manifestações, mas também outros momentos como os festivais de verão; e a aposição da narração de Barateiro, remete para a memorabilia imagética existente do Festival de Woodstock de 1969, que extravasa um carácter meramente histórico e é já uma memória afetiva. Esta obra pode ser visionada no site do artista e aconselhamos os visitantes da exposição a fazê-lo de forma prévia à visita.

A exposição abre com outro vídeo, Pensar em voz alta (2006), em que vemos uma viagem de bicicleta até à parte oriental da cidade de Lisboa. No fim a narradora explica que queria viajar pela cidade com um pedaço de papel e efetivamente a viagem é feita com um comprido canudo de papel branco. Este percurso é feito também por nós enquanto espectadores que somos confrontados com lugares urbanos sem a preocupação de embelezamento a que a visão turística nos obrigou. Olhamos simplesmente os lugares por onde passa o ciclista em longos travellings ventosos e libertários que culminam com o abandono do papel desenrolado, numa atitude já performativa, comum a Barateiro cujos trabalhos performativos se têm destacado e servido de base a outras obras.

É o caso de A Viagem Invertida (2019) conjunto escultórico que provém de uma performance exibida no Teatro Nacional D. Maria II em abril de 2019 com Raw Forest, Luís Guerra e Lula Pena sobre a exploração do lítio e as suas diversas utilizações. O conjunto agora exposto lembra algumas obras de Joseph Beuys, o que é tanto mais interessante pelo carácter politico e de crítica social e ambiental que todo o corpo de obra de Beuys contém, inclusive na justaposição dos materiais utilizados e num certo caráter de respigador de que encontramos ecos em Barateiro. O facto de ser proveniente de uma performance retira-nos algum poder de leitura, mas deixa-nos uma vontade arqueológica, como se de um despojo se tratasse, incluindo até uma cadeira que nos propõe um lugar de espectador perante o que aparenta ser um mapeamento geométrico do chão.

b2b (2016) é um conjunto de pequenas pinturas a guache que parte de uma premissa de seriação e tipagem, em que a mesma forma sugere variações pictóricas que remetem também para uma ideia de esboço e estudo. Poderiam funcionar como estudos cromáticos para uma obra final que nunca chega a existir. Barateiro tem assumido em diferentes alturas que o seu processo de trabalho é exaustivo e em b2b eleva-o à categoria de obra expositiva, numa atitude que tem uma longa linhagem na História da Arte.

Nas várias obras expostas, o processo de trabalho torna-se fulcral e parte da obra. Não há limpeza nem tentativa de embelezamento, há arte crua onde as pinturas não têm moldura e até podem estar no chão. É uma arte profundamente política e reivindicativa do fazer como parte do ser. O artista é um trabalhador, que esculpe, cola e pinta, que é montador, realizador, diretor de fotografia e narrador da sua obra. A arte de Pedro Barateiro é crítica e política e nos tempos que correm parece-nos essencial essa atitude artística.

Até 31 de janeiro de 2021, na Casa da Cerca, Almada.

Com uma carreira em produção de cinema com mais de 10 anos, Bárbara Valentina tem trabalhado como produtora executiva, produzindo e desenvolvendo vários documentários e filmes de ficção para diversas produtoras entre as quais David & Golias, Terratreme e Leopardo Filmes. Atualmente ocupa o cargo de coordenação de pós-produção na Walla Collective e colabora como diretora de produção e responsável pelo desenvolvimento de projectos na David & Golias, entre outros. É igualmente professora na ETIC, no curso de Cinema e Televisão do HND – Higher National Diploma. Começou a escrever artigos para diferentes revistas em 2002. Escreveu para a revista Media XXI e em 2003 começou a sua colaboração com a revista Umbigo. Além desta, escreveu também para a Time Out Lisboa e é crítica de arte na ArteCapital. Em 2010 terminou a pós-graduação em História da Arte.

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