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Sou Fujimoto | Futuro Doméstico Primitivo no Museu do Oriente

“Considerar a arquitetura inovadora do futuro é surpreendentemente equivalente a refletir sobre a arquitetura primitiva.”

 

A frase que inicia o livro Futuro Primitivo do arquiteto japonês Sou Fujimoto, anuncia a reflexão proposta através do conjunto de 14 casas de sua autoria apresentadas através de vídeos, fotografias, maquetes e outros elementos na exposição Sou Fujimoto | Futuro Doméstico Primitivo, comissariada por João Almeida e Silva, que inaugurou a 21 de fevereiro no Museu do Oriente em Lisboa.

Um futuro da arquitetura ligado às suas origens e, portanto, às suas circunstâncias primordiais, define o trabalho do arquiteto japonês e propõe uma reinvenção do modo com que nos relacionamos com o espaço, com os objetos e com a sua escala. Um banco que é armário, uma parede que é banco, uma janela que é degrau, são apenas alguns exemplos que anunciam uma diluição daquilo que é um elemento arquitectónico. A ideia de regresso ao primitivo como proposta para alcançar o futuro conduz a uma reinterpretação dos arquétipos da arquitetura.

A escolha de casas como mostra do trabalho de Sou Fujimoto é, segundo João Almeida e Silva, para além de um modo de alcançar um público mais abrangente, um modo de pensar e colocar questões relacionadas com o habitar e o foro doméstico ocidental e oriental, levando o público a questionar o seu próprio modo de habitar.

Aos 29 anos Sou Fujimoto afirmou querer fazer uma “arquitetura fraca”. Uma arquitetura concebida não a partir de uma ordem global, mas a partir das relações entre cada uma das partes, obtendo como resultado uma ordem que incorpora incerteza e desordem, que surpreende o utilizador e propõe uma reflexão acerca dos usos convencionais dos espaços.

Compara estas relações entre partes com as relações existentes entre os vários elementos do mundo natural, sendo que antes de existirem telhados ou paredes, apenas seriam reconhecíveis as várias distâncias entre esses elementos. Assim, através da distorção e modulação do espaço, cria o que chama de “arquitetura com um sentido de distância”.

Não uma distância física, mas uma distância experiencial uma vez que a “arquitetura acontece onde as pessoas existem” e “a distância define os vários graus de interação entre pessoas e objetos”. Tome-se como exemplo a casa T onde as relações estabelecidas entre os vários espaços, fluidamente organizados em torno de um centro segundo determinados ângulos, definem distâncias precisas que criam tensões e despertam o instinto animal de quem a habita. Os seus espaços são interdependentes, separados e ligados simultaneamente, proporcionando infinitas apropriações.

Por outro lado, no projeto de um apartamento em Tóquio, nos interstícios resultantes da sobreposição de vários arquétipos de casa são criados espaços inesperados que promovem a sua ocupação dos mais variados modos. O espaço entre o telhado de uma casa e o pavimento de outra torna-se um espaço de estadia ao mesmo tempo que é transição entre dois espaços interiores. Este efeito surpresa desafia o uso quotidiano do espaço doméstico estimulando a criatividade de quem o habita.

Sou Fujimoto leva estes princípios mais longe ao falar de cidade como casa e de casa como cidade. Em “network by walk” evidencia como uma casa num bairro em Tóquio se estende para além do domínio doméstico do seu interior para a cidade através da criação de uma rede de relações medidas tendo em conta o tempo necessário para transitar de um ponto para o outro.

As ruas sinuosas de pequena escalas definidas por fileiras de casas em madeira comportam um tipo diferente de espaço doméstico que dá vida à cidade e a transporta para o domínio da casa e vice-versa. Assim, questiona se a arquitetura poderá sustentar as complexidades da vida quotidiana ao invés de se conformar com as regras do funcionalismo e afirma que no momento em que uma cidade se tornar uma casa e simultaneamente se tornar nem uma cidade, nem uma casa, surgirá uma nova arquitetura.

Esta lógica de proximidade poderá ser encontrada na casa antes de casa onde os vários volumes estabelecem propostas de vivências nos seus interstícios e na sua conjugação em vários níveis ou na casa NA onde várias plataformas organizadas em altura compõem espaços que se relacionam organicamente entre si. É evidente o princípio em que “viver numa casa é como viver numa árvore” onde a totalidade é formada por inter-relações espaciais sendo que os espaços não se encontram hermeticamente isolados mas sim conectados e redefinindo-se continuamente uns aos outros.

Segundo Sou Fujimoto, “as pessoas poderão descobrir um novo sistema de coordenadas num espaço impregnado de elementos caóticos e incertos, análogos às árvores e às florestas” sendo que “cada tronco de uma árvore é um lugar único ao mesmo tempo que se inter-relaciona com o outro” podendo encontrar-se “expressões espaciais na rede de interações, e não na estrutura dos ramos”.

Esta reflexão é fundamentada através do modo como exterior e interior se relacionam. Na casa N, os espaços criados entre as três caixas umas dentro das outras proporcionam enfiamentos visuais através das aberturas nas suas superfícies que estabelecem uma ligação plena entre interior e exterior. É visível a admiração pela obra de Le Corbusier nomeadamente pelo projeto da capela de Notre-Dame-du-Haut em Ronchamp, cuja solidez escultórica e o espaço criado pelas paredes espessas intercaladas pela composição de vãos coloridos com diferentes formas despertou especial interesse em Sou Fujimoto.

Esta reflexão acerca do habitar e das relações casa-cidade, dentro-fora, espaço implícito-espaço absoluto através das “casas do futuro” de Sou Fujimoto inseridas num contexto oriental e agora apresentada em Lisboa, incentiva um questionamento acerca do modo de habitar ocidental, motivo entre outros que valem uma visita. A exposição Sou Fujimoto | Futuro Doméstico Primitivo comissariada por João Almeida e Silva, poderá ser vista até 26 de maio no Museu do Oriente em Lisboa.

Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.

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