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Anuário – Uma visão retrospetiva da arte no Porto

Anuário significa, por definição, uma publicação que regista as principais ocorrências e atividades de uma determinada entidade, ao longo do período de um ano. Quando o conceito é utilizado como nome de um projeto artístico e expositivo na Galeria Municipal do Porto, é expectável tratar-se de um reflexo da criação artística da cidade. O espaço expositivo é reconhecido pelo seu contributo à aproximação e relação entre a arte contemporânea nacional, principalmente nortenha e os cidadãos portuenses e demais público. Assim, a expectativa é que esta exposição consista no encontro, dos movimentos, ações, processos, linguagens e discursos, tanto plásticos como expressivos, formais, visuais e conceptuais, que se destacaram na cena artística da cidade do Porto no último ano.

 

Sendo esta a primeira edição do Anuário, não se apresenta, porém, preliminar ou isolada, instalando-se, pelo contrário, com ímpeto e mostrando-se coletiva, diversificada e plural. Oferece sólidas representação e retrospectiva das criações e práticas artísticas e curatoriais de 2018, consistindo na oportunidade de recordar e celebrar a arte do Porto. O projeto resulta da colaboração de duas figuras meritórias, cujas próprias ações têm marcado a atualidade cultural deste mesmo contexto nos últimos anos, Guilherme Blanc e João Ribas. Ambos, bem como a sua parceria, elevam a expectativa relativamente ao projeto, não somente em concordância com o que Blanc tem vindo a concretizar na Galeria Municipal, como pela irreverência e pelo caráter distinto de Ribas. Por conseguinte, a exposição ora apresentada destaca-se não só no quadro da programação cultural da cidade, como do restante panorama artístico nacional.

O programa desenvolvido propõe que cada exposição seja concebida por vários curadores, como se pode verificar neste momento inaugural, sendo que a escolha dos mesmos se caracteriza pela diversidade e pelo cruzamento de várias especialidades e áreas de trabalho. Contam-se, assim, programadores, diretores criativos e criadores artísticos e, consequentemente, o que, na galeria, se apresenta é o resultado da convergência entre distintos e singulares pontos de vista, perspectivas e pensamentos, tanto criativos como intelectuais.

Os curadores convidados, Joana Machado, Joaquim Durães, José Maia, Miguel Flor e Rita Castro Neves trabalham, habitam, experienciam, movem-se e cruzam-se no mesmo circuito artístico, ainda que nos seus respetivos domínios de ação e de produção, com maior ou menor experiência na concepção de exposições. São as suas análises e documentações das produções artísticas do Porto no último ano que se discutem em conjunto e se interligam no que hoje se apresenta.

Selecionaram vinte e sete artistas, materializando-se uma mostra dinâmica que propõe uma viagem de obra em obra, de imagem em imagem, a partir de ferramentas, esculturas, instalações, pinturas, vídeos e fotografias numa multiplicidade técnica, expressiva e conceptual. Não se poderá dizer que as obras conjugam plenamente umas com as outras, pois o objetivo é a comunicação e o jogo entre formas e ideias.

Estabelecem-se inúmeros diálogos entre os objetos e entre estes e o espaço, cuja conceção é invulgar e díspar do que tem sido realizado na Galeria Municipal. A área da ala principal encontra-se, agora, como o palco de um teatro, com uma cenografia transformadora do ambiente. A configuração da cena concede-lhe movimento e vida no espaço. O sua tonalidade particular de verde pode ser experienciada pela sua atmosfera própria, ou, simultaneamente, pode entender-se que comunica com o exterior do edifício, os jardins do Palácio de Cristal e o próprio Porto. Ao espectador, por sua vez, é-lhe sugerido ser, também, um ator, participar na exposição, mover-se e interagir com o que lhe é apresentado, definindo o seu próprio percurso tal como quando percorre a cidade.

Trata-se, também, de compreender a curadoria como uma prática menos convencional, mais ampla e experimental. Propõem-se diferentes modelos expositivos que vão para além da exibição das obras enquanto simples objetos fixos, possibilitando-lhes atingir as suas várias potencialidades, aspectos estes que já caracterizaram exposições de João Ribas, tal como Zéro de Conduite[1] (2018), no Museu de Arte Contemporânea de Serralves.

É em áreas expositivas bem delineadas que se apresentam vários artistas nacionais, alguns particularmente estabelecidos e reconhecidos no país, tais como Silvestre Pestana, com a obra Águas Vivas (2001), a dupla João Pedro Vale + Nuno Alexandre Ferreira e a sua Ave Rara (2018), ou Paulo Mendes e António Olaio com o trabalho conjunto Binóculos Divergentes (2018). Também se dá visibilidade a criadores mais jovens e emergentes, caso de Diogo Tudela (Sem Título, 2018) ou Hernâni Reis Baptista (Embate, 2018). São estes nomes, e outros tantos, que, juntos, figuram e formam o espólio e o campo artísticos e culturais da cidade e do país, assim determinando a singularidade da exposição e a consequente importância de a visitar.

 

O projeto, patente de 16 de março a 19 de maio, marca o início da programação do presente ano 2019 da Galeria Municipal. Com ele também se inicia um novo formato de inaugurações simultâneas, desta vez com a exposição ASTRAY da artista Carolina Mesquita, que interliga a escultura e a imagem em movimento, comissariada por Sofia Lemos com a Kunsthalle Lissabon.

Quanto ao Anuário, mesmo reconhecendo a impossibilidade de abranger a extensa e crescente criação artística do Porto, conseguiu apresentar um justo reflexo da mesma, dos seus artistas, espaços expositivos e ações artísticas. Assim se encontra lançada a expectativa para a continuidade do projeto, com a temporalidade que lhe é própria e com a atualidade que já provou deter.

 

[1] https://umbigomagazine.com/en/blog/2018/07/02/zero-de-conduite-obras-da-colecao-de-serralves/

Constança Babo (Porto, 1992) é doutorada em Arte dos Media e Comunicação pela Universidade Lusófona. Tem como área de investigação as artes dos novos media e a curadoria. É mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e licenciada em Artes Visuais – Fotografia, pela Escola Superior Artística do Porto. Tem publicado artigos científicos e textos críticos. Foi research fellow no projeto internacional Beyond Matter, no Zentrum für Kunst und Medien Karlsruhe, e esteve como investigadora na Tallinn University, no projeto MODINA.

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