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Tradição é um conceito que aponta sempre para algo que ganhou sentido num dado momento. Em processo, pode proceder de uma reconfiguração contínua, até que perca o seu sentido sendo seguida por outra tradição. Este ponto de vista é válido em diferentes disciplinas. Mas, Walter Benjamin estava certo quando considerou que, na arte, "a tradição é algo muito vivo, porque é extremamente mutável."

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A arte contemporânea é, por tradição, imparável, é projetada para surpreender-nos continuamente. Sobre o design atual quase podemos repetir o que disse Benjamim. Durante a primeira metade do século vinte, depois de superar a discórdia entre decorar ou não para decorar – Morris / Gropius / Hofmann e outros, comentados por Adolf Loos no seu manifesto Ornamento e Crime – mantiveram uma longa tradição centrada na articulação entre forma e função e em objetos que iriam propor novas experiências quotidianas. Foi depois subdividido entre propostas humanistas e propostas produtivistas. Isto é, de um lado entre atenção ao social e, de outro em exploração humana, como ainda hoje faz a Apple. Recentemente, o projeto em design tornou-se muito diversificado. Há muitas tentativas para reconfigurar esta dupla tradição. Coexistem diferentes tentativas e propostas que procuram uma comunicação poética através do design, que renovam tradições de joias e de outros objetos, tornando-os contemporâneos segundo vias humanistas, que se entrelaçam com artesanato.

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Desde 2002, o que encontramos através da portuguesa Liliana Guerreiro,  é antes de mais, uma forma de design social, desenvolvido em colaboração com os irmãos ourives Joaquim e Guilherme Rodrigues da Silva, que há várias gerações trabalham em filigrana na aldeia de Travassos, Póvoa de Lanhoso. O projeto lançado por Guerreiro, constitui um diálogo horizontal, isto é democrático, e de colaboração mútua. Inclui respeito, entrelaçamento entre conceitos académicos da área de design e um artesanato regional. Talvez nem Guerreiro, por conta própria, nem os irmãos Rodrigues da Silva, por si só, pudessem apresentar tal projeto se trabalhassem em isolamento e, acima de tudo, se não tivessem sido capazes de construir um tipo de diálogo entre o pensar e o fazer.

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Uma árvore poderia bem metaforizar tal projeto que visa revitalizar a filigrana, tornando-a mais leve, mais minimal. As raízes, tronco, ramos, folhas formam um todo interdependente, num processo de reconfiguração. Memória e tradição, tornaram-se meios para construir este projeto, reconfigurando morfologias tradicionais, associando-as a possibilidades técnicas. Apagou-se o estilo barroco ornamental e tradicional. Outro estilo ganhou um sentido estético inscrito no tempo presente. Portanto, longe de raciocínio modernista, como o de Le Corbusier ou de Loos, Guerreiro procurou romper com tudo o que representava um passado decorativo.

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Estas peças levam a considerar que, no design, certas tradições podem servir para prenunciar futuros e, eventualmente, novas tradições desde que repensadas e retrabalhadas. Guerreiro retoma tradições artesanais e populares, já de muito longa data, as quais tinham ganho raízes em Portugal. São recuperadas para recriar uma poética contemporânea que transfigura, ou seja, muda-se para outro lugar onde se reúne com o design. Guerreiro avança junto com dois mestres artesãos, intencional e declaradamente. Eram antes artesãos anónimos e já não o são. Este caso tem paralelos na natureza comunal na arquitetura social, também chamada de arquitetura construída em lugares comuns, bem como, entre outros, em projetos de design desenvolvidos pelos brasileiros Irmãos Campana, pela Boca do Lobo, portuguesa ou pelos catalães Martín Azuà e por Jaume Tresserra. Em processo e diálogo todos adotam métodos de trabalho de campo semelhantes aos da antropologia contemporânea, mostrando que são possíveis abordagens não fragmentadas, mas sim de diálogo. Guerreiro, como estes outros designers, investindo em encontros democráticos com estes artesãos, investe em maneiras de os reabilitar socialmente, conjugando conhecimento tradicional e conhecimento teórico-práticos. Os benefícios são mútuos. Sob a lógica do design, o uso e a ancoragem em elementos como estes, são um eixo e uma tentativa válida que permite um design contemporâneo humanista e economicamente sustentável para todos os que têm parte nele.

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