Uma loja de gomas, uma frutaria, uma pastelaria... O que têm estes sítios em comum? Um perfume, ou aliás, um género de composição olfactiva chamada de “gourmand”. Quase todos os lançamentos actuais de perfumes femininos têm uma faceta de doçaria, de frutas e de flores. Muitas vezes é como se as mulheres que os usam tivessem acabado de chegar de uma ida às compras bastante calórica. Angel de Thierry Mugler, Flowerbomb de Viktor & Rolf, La Vie est Belle de Lancôme, Prada Candy, a primeira versão de Miss Dior Cherie ou o mais recente Sweet de Lolita Lempicka são provas de que as mulheres andam loucas por cheirar a doces. E já que não os podem comer para manter a linha, mais vale cheirá-los. Os homens também não estão livres do ataque das calorias olfactivas. A*Men de Thierry Mugler inaugurou a candyshop masculina, ao que se seguiram todos os seus flankers e outras edições de marcas como Rochas, Animale ou Blue Sugar de Aquolina.
Os perfumes gourmand são uma subcategoria da família oriental e têm uma vida bem recente na história da perfumaria. É claro que desde sempre existiram perfumes com ingredientes que estão também presentes à mesa do almoço ou do jantar. Especiarias como as pimentas, cravinho ou anis, frutas como a laranja e o limão, ervas aromáticas como o tomilho, o coentro ou o estragão... são materiais que cedo começaram a entrar nos perfumes mesmo antes do advento da perfumaria moderna nos finais do século XIX. Mas perfumes que pela sua composição trazem à memória os sabores doces e pasteleiros de bolos e iguarias de sobremesa eram raríssimos antes dos anos 90. Podemos talvez pensar em Mitsouko de Guerlain (1919) ou Femme de Rochas (1943) pelo seu conteúdo de pêssego com ameixas e canela ou até mesmo Poison (1985), com seu alto teor de uvas e ameixas, como precursores dos gourmand, mas isso é forçar um pouco a imaginação. Os entendidos definem perfume gourmand como aquele que evoca não a suculência das frutas mas sim o adocicado dos caramelos, rebuçados ou gomas e foi com Angel (1992), de Thierry Mugler, que se criou para sempre uma categoria nunca antes designada de perfumes gourmand.
Angel é um perfume que causou estranheza aquando do seu lançamento. Um acorde invulgar que chegou ao mercado de pára-quedas e durante o primeiro ano constituiu um fracasso de vendas. Mas já como dizia Fernando Pessoa, também Angel “estranha-se e depois entranha-se”. Depois do choque inicial, ele passou a estar no top de vendas mundial até aos dias de hoje. Prova que a ousadia compensa. Olivier Cresp foi o mestre perfumista que compôs Angel. Ele estava a trabalhar numa combinação de patchouli e baunilha que não chegava a um resultado satisfatório até que ele se sentou à conversa com Thierry Mugler, agindo como um psicanalista. Segundo o que Cresp contou ao blog Persolaise, Thierry “falou sobre a sua infância quando ele vivia na Alsácia, e explicou que costumava molhar pão em chocolate, e falou também de um parque de diversões. (...) Eu tentei misturar a sua infância com a minha. E isso resultou muito bem. Usei um pouco de chocolate, algum praliné, algum cacau. Quando eu vivia nos EUA, trabalhava em aromas, por isso tentei usar essa experiência, e resultou. Era uma combinação estranha”. A chave desta combinação é o cruzamento de patchouli com ethyl maltol (que cheira a açúcar queimado ou algodão doce) e mel.
A seguir a Angel veio Flowerbomb com uma dose de açúcar de fazer doer qualquer cárie. Hoje em dia todas as marcas comerciais de perfumaria de massa (aquela que se encontra nas Sephoras, Douglas e Marionnauds desta vida) possuem pelo menos uma edição de sugestão altamente calórica. Será que a hegemonia das dietas levou as mulheres a quererem cheirar a açúcar, quando comê-lo é proibido? De facto, Angel abriu a arca da doçaria e as marcas seguiram as migalhas. Além de todos os perfumes já citados, há que referir o caso de Nina Ricci com a edição de La Tentation de Nina, criado também por Olivier Cresp em colaboração com a La Durée, marca dos mais famosos macarrons parisienses. Entrando no domínio da perfumaria de nicho, a marca Coquillete também se aventurou no caminho açucarado com Sulmona, um perfume que pretende evocar o cheiro amendoado dos confettis, os doces que foram servidos no casamento de Elise Juarros, co-fundadora da casa. No geral, a perfumaria artística não tende para a diabetes, mas um dos perfumes de autor mais apreciados é Loukhoum, de Keiko Mecheri. A combinação de rosas com mel, baunilha e amêndoas remete para os doces turcos, também chamados de turkish delights. O deus Serge Lutens não foi alheio aos desejos e doces e lançou também Jeux de Peau que lembra bolos enfarinhados. E voltando a Angel, o rei dos gourmets, o ciclo continua com as múltiplas edições (mais de 30 até agora) chegando ao mais recente Eau Sucrée, como se não bastasse todo o açúcar do clássico. Há quem diga que cheira à sobremesa pavlova com frutos vermelhos e caramelo.
Guerlain é uma marca que pode ter dado os primeiros passos no mundo das baunilhas gourmand com o icónico Jicky em 1889, mas ainda assim este não é do mundo da pastelaria, com os seus fortes traços aromáticos de lavanda. Shalimar (1925) adensou este acorde para meandros mais orientais, de baunilha queimada e fumada, não se parecendo ainda com um pastel de nata. Foi preciso chegar ao novo milénio para a casa se aventurar na confeitaria, curiosamente com um aroma masculino - os homens estão mal servidos de bolos olfactivos. L'Instant Pour Homme (2004) abria as portas da Guerlain aos doces para homem com os seus acordes de cacau. Já para as senhoras a introdução de Insolence (2006), com violetas, morangos, fava tonka e bagas vermelhas, fazia lembrar os rebuçados que se compram em Paris. Hoje em dia a Guerlain tende a perder a personalidade e a fúria do açúcar tornou-se exagerada em La Petite Robe Noire (2009) e seus flankers.
Terminando esta necessariamente incompleta receita de doçarias para o nariz, é de referir mais um dos poucos masculinos gourmand: Valentino Uomo é uma fragrância dulcíssima e deliciosa de café, gianduja, licor de mirtilo e outras guloseimas que acabam por fazer lembrar avelãs. Mais uma referência recente é a destruição do património da perfumaria de Yves Saint Laurent com a nova encarnação de Opium. Black Opium é uma redundância perfumante que nada tem a ver com o seu progenitor dos anos setenta. Uma overdose de café com patchouli e uma chuva de edulcorantes sintéticos. Curiosamente, uma criação do “angélico” e guloso Olivier Cresp.
O despertar das endorfinas, a recordação das doçuras da infância, sinapses entre neurónios que ainda não conhecemos... O gatilho dos perfumes gourmand enche as perfumarias de açúcar baunilhado, caramelos em papel de prata e licores de frutas que neste formato não engordam...