Chegamos novamente à selva, desta vez sem fronteiras urbanas (achava eu). Passámos por Kota Kinabalu, Ranau, Sepilok, Sandakan, tudo para ver macacos, mas afinal o que mais me surpreendeu foram as pessoas. Mais mais não sei, que não é fácil competir com macacos, mas muito, vá.
A partir de Kinabalu todos nos olham como saídos de um museu. As crianças riem e apontam, envergonhadas, os pais delas param-nos para o cumprimento diário, entusiasmados por estarem a falar connosco. A barba dele podia ter-nos posto no topo da carreira de freak show. Que riso que lhes dava. Ao mesmo tempo tratam-nos como regressados a casa, como se fizéssemos parte da terra: bem-vindos, era como nos tratavam. E eu pensei: havia de ser assim antes de nós. Antes de o turismo em massa estragar tudo havia de ser assim. Pessoas a gostarem de ver e receber outras pessoas, a querer saber como vai ou como é o mundo noutro lado. É curioso isto de as pessoas viajarem estragar aquilo que as fez viajar.
Agora os macacos. Primeiro os orangutangos: com 96.4% do nosso ADN podia passar dias só a olhar para eles que seria quase como estar a olhar para nós. Mas num estádio de evolução melhor, que eles podem passar dias a balançar ou a voar de árvore em árvore todos nus enquanto esperam pela hora de almoço. Só a mim é que isto parece uma boa vida?
E eles descem e dão-nos as mãos. Mãos de pessoa esperta, que vão abraçando ao mesmo tempo que procuram qualquer coisa que possam levar de recordação. E eles sabem que com aqueles olhos pendurados nós só queremos levá-los para casa, aproveitam isso para nos irem inspeccionando até saírem vitoriosos com uma gopro e um tubo de vic vaporub que vão tentar comer.
Depois há os macacos do nariz. Não esses, os Probosci. Parecem estranhamente pessoas também, sentados para comer como adultos bem comportados. E passam-se os dias nisto e caminhadas pela floresta.
Tivemos um bungalow no meio da selva, com duche no meio da selva e eu tive uma epifania e jurei que nunca mais voltava a cidades. Já passou, mas um dia.
Então e a comida? Em Sandakan dizem que temos que ir comer marisco e que o melhor sitio é em Sim-Sim. Quando lá chegamos é um bairro de barracas suspensas em estacas sobre um mar de lixo, crianças meio nuas e cães a correr por ali. Não desistimos por tão pouco e lá encontramos a tal marisqueira: Sim-sim 88. Sentamo-nos em frente ao mar vazio e aguardamos as sugestões: sopa de milho, peixe ao vapor e lagosta com queijo. Sim.
A sopa é uma terrina gelatinosa a saber a milho doce que daria para seis, o peixe um "red snapper" com gostinho a casa por causa dos coentros e que dizer de lagosta com queijo? Aqui é raro grelhar-se peixe ou marisco – sabem lá o que perdem – então a lagosta é frita inteira num molho espesso de queijo, mostarda, mel e lima. Já não parece tão mal não é? No final da refeição que desapareceu em minutos, a senhora muito simpática que tinha passado o tempo a encher-nos copos e pratos veio pedir-nos 50 cêntimos para ir beber cerveja tarde fora e nós cheios de pena por não podermos ir com ela.
Vou ter saudades dos macacos-pessoa e das pessoas-pessoa. Claro que eles não se vão lembrar que nós existimos. Por enquanto. Enquanto a avalanche do Ocidente não vier destruir selva por resorts, não vier pôr os macacos em jaulas confortáveis para garantir que os vemos sempre que queremos. Até lá, o Bornéu antes de nós. Uma terra esquecida na simplicidade das coisas que importam.
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* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.