Fotografias de capa: Ariel Martini.
Foi o princípio de uma bonita história de amor.
Durante três dias o mundo é lugar bonito em Barcelona. Respira-se o pulsar da música nas ramblas, mergulha-se no mar salgado e nas ondas sonoras e o surrealismo gaudiano envolve-se em todo o frenesim de uma peregrinação com um denominador comum: a música em todas as suas amplitudes.
Aprendemos a gostar das coisas quando elas nos iluminam. E aprendemos a gostar delas à luz de todas as horas.
Com o Sónar também foi assim.
À luz do dia, quando o sol ainda vai alto, nasce o Sónar by Day. Em plena Praça de Espanha, cercadas pelas instalações da FIRA, fazem-se três pistas de dança. O Sónar by Day é como uma das faces da mesma cara, esta de perfil mais doce, mais calma, a céu aberto para que o sol nos relembre que temos tempo para dançar. Durante a tarde do primeiro dia, pudemos vibrar ao som mais oriental de Acid Arab, a abrir o festival, ouvir os sons mais quentes da corda percutida de Bob Moses, fechar os olhos com a sensualidade na voz de Jamie Woon, descobrimos a Amy Winehouse do nosso tempo – Svedaliza –, e terminámos em beleza com o pôr do sol e o house nova iorquino de Kenny Dope.
Svedaliza (fotografia: Leafhopper)
Este primeiro dia serviu para nos aguçar a sede de partir à descoberta dos Sounds of Sonar que estavam por ouvir. Fomos até ao Gana, de onde nos chega Ata kak, uma estranha fusão do shangaan electro com o kuduro português, da qual também se aproximaram os sul africanos Nozinja, ao tropicalismo dos El Guincho e a vivacidade de Santigold, a mostrar cada vez mais o seu lado de crítica social ao consumismo. Ainda no Sónar by Day, sob a aura teatral encarnada do palco Sónar Hall, vimos Kode 9 x Lawrence Lek a introduzirem visuais em três dimensões muito ao estilo de Kraftwerk.
Kode 9 (fotografia: Ariel Martini)
Mas foi de noite que o Sónar se apresentou para mim como um templo de música eletrónica no seu estado mais puro: vai-se para dançar, orar e amar.
Entramos com a sensação de pisar um clube noturno gigantesco – três pavilhões cinzentos, industriais, colossais, suburbanos, separados por metros de perder de vista de zonas de restauração, lounges, carrinhos de choque, ecrãs, luzes frenéticas e pessoas que passam, e dançam, e sorriem por partilhar uma experiência desta dimensão.
Esta é a face mais misteriosa e intensa daquela cara que referi acima.
O Sónar by Night, fica a meia hora de caminho do by Day, e é uma transição de luz e frequências em relação ao que o antecede.
Iluminados pela lua cheia, celebramos um casamento com a música pela forma como ela se apodera do nosso corpo dentro daquele espaço.
Kaytranada (fotografia: Ariel Martini)
Quebram-se fronteiras visuais, como fez Kaytranada com o seu psicadelismo multicolor ou Soichi Terada que nos levou até Tóquio e à sua concrete jungle iluminada, ANOHNI a bombardear-nos com a beleza dolorosa de retratos tristes, a quem deu a cara, escondendo-se por detrás de um manto negro, o set agressivo do techno de Boys Noize transportou-nos para as caves berlinenses, Skepta e Stormzy guiaram-nos ao guetto londrino ao som do grime britânico, e os incontornáveis New Order que nos puxaram para trás no tempo e preencheram um dos pontos da bucket list de muitos fãs: ouvir a Blue Monday tocada ao vivo!
New Order (fotografia: Ariel Martini)
Existe ainda todo um infindável repertório musical e experiencial que poderia ainda descrever até quando a festa acabou e o sol voltou a nascer. Mas o Sónar é um evento para o qual as palavras valem pouco.
Deixo aqui o meu amor declarado ao festival e a Barcelona, e o desejo de regressar sempre.
Adéu, vemo-nos em 2017!