O reencontro de escultores partilhando o mesmo espaço no Museu de Eletricidade
Sugiro uma visita ao Museu da Eletricidade para ver a exposição Sala dos Gessos de quatro nomes António Bolota, Bruno Cidra, Gonçalo Barreiros e Gonçalo Sena com uma dezena de peças, sob a curadoria de João Pinharanda e Ana Anacleto. Esta mostra vem na sequência da apresentada no Torreão Nascente sob o título Canal Caveira com os mesmos autores que trabalham a disciplina da escultura utilizando os seus atributos e propriedades. A sua prática é para eles a âncora dos seus trabalhos; reformulando nesta série propostas de reflexão concetual.
O peso, a leveza, a matéria, a tensão, a durabilidade, a efemeridade, a luz, a escala, a ocupação, o preenchimento e o vazio traduzem as questões da tradição clássica da escultura. Este grupo de artistas usa o mesmo espaço de trabalho num atelier em Lisboa; partilhando numa comunhão de ideias e projetos, lançando-se a expor em conjunto. Existe a particularidade de cada um revelar-se e distinguir-se através das suas especificidades e características pessoais; isto é, integrado num programa coletivo, onde certos códigos se interpenetram uns nos outros, causado pela permanente troca de impressões entre eles. O espaço expositivo serve para criar uma articulação amistosa num projeto comum, não deixando cada um de expor as suas singularidades.
"A exposição surge como o resultado instável de um diálogo que não pode ser dado como terminado" (J. Pinharanda)
Só através da primeira sala é que nos apercebemos que estamos perante uma exposição de artistas onde a maioria dos objetos se encontram solitariamente no exterior do contexto museológico Sala do Museu. Nos restantes espaços dificilmente conseguimos localizar os outros trabalhos, por se encontrarem integrados no ambiente do Museu e não existirem legendas nem qualquer indicador visual, possivelmente deliberado. Parece que estamos perante um jogo, na tentativa de descobrir os objetos estranhos que não fazem parte do universo industrial pertencente ao património histórico que é a centralidade deste espaço. É com certeza um dos objetivos desta intervenção o exercício de acolhimento através de uma montagem adequada numa experiência do ver. As esculturas são concebidas em vários materiais e encontram-se posicionados em locais estudados, ora suspensas, ora de chão, com formatos reduzidos passando despercebidas, funcionando como apontamentos minimalistas que ajudam a envolver temporariamente o referido espaço museológico, como as minúsculas obras de Cidra, em bronze e ferro.
À semelhança da exposição na Cordoaria, não se trata de peças site specific; contudo, o espaço de receção destes trabalhos não deixa de ser crucial, onde a função do espaço passa a ser determinante. Este género de exposições dá lugar a momentos de experimentação e exercício num contexto grupal coerente. Algumas peças recordam objetos do quotidiano, retiradas formalmente do contexto utilitário para serem seguidas da sua transformação metafórica, como é evidente nos dois objetos de G. Barreiros. Destaco a escultura de chão Montanhas e Escamas de G. Sena. A intervenção de Barreiros e Sena é discreta e onde a linguagem discursiva não marca tanto a sua singularidade face a Cidra e Bolota. Este último realiza três esculturas: uma de chão que consiste num pequeno soalho quadriculado de mármore encimado por uma esfera de cimento; uma estrutura de andaime em ferro onde num dos cantos superiores se encontra também uma esfera, esta espelhada e por fim surge um cubo irregular em cimento branco e esferovite assente em traves de madeira.
Qualquer dos quatro intervenientes possui uma linguagem num discurso pessoal já firmado em exposições anteriores. A mostra é uma espécie de simulacro daquilo que habitualmente costumam produzir a título individual, estando longe do seu melhor no plano estético sobretudo quanto a Bolota e Cidra que possuem obra de grande ineditismo e originalidade, com uma imagem de marca já firmada. Ambos foram selecionados no mesmo ano para o Prémio Fundação EDP Novos Artistas, o primeiro produz notáveis instalações como se verificou no Pavilhão Branco e na Galeria Quadrado Azul onde o criador utiliza sabiamente a sua formação de engenharia para criar peças em context specific, de diferentes naturezas, de grande escala que envolvem todo o espaço numa atmosfera única de uma grande densidade num profundo despojamento. O público terá de atuar para auxiliar a alcançar a plenitude na área intervencionada pelo autor. Como escreve Ana Anacleto, trata-se de uma procura de diálogo com o próprio espaço do Museu que constitui, em si mesma, um curioso território expandido numa referência ao ensaio de Rosalind Krauss.