Depois do susto bom de Ho Chi Minh vou a medo para Hanoi – será que é aqui que as coisas se complicam e que nos odeiam mesmo? Afinal o Norte é o Norte, feito de gentes que expulsaram todos os que pensaram roubar ou domar um bocadinho de Vietname.
Mas não. A simpatia das pessoas continua a ser desconcertante. Começo a duvidar se não ando sempre com espinafres nos dentes para se rirem tanto.
Depois do primeiro dia dissemos um para o outro, baixinho: acho que me posso apaixonar por esta cidade. E durante os 7 dias seguintes não parámos de o fazer. Dizem que quem não vai a Halong Bay não vem ao Vietname, mas estávamos tão enebriados de vida que não conseguimos sair da cidade.
A confusão é brutal e condensada: o trânsito caótico, o buzinar constante, os passeios são só prolongamento da estrada, as bancas de comida amontoam-se, as pessoas não param, os cães, as galinhas e os gatos ocupam os centímetros que sobram. E assim mesmo, para mim, melhor do que uma paisagem, é ficar todo o dia a ver a vida a acontecer. Sem parar. E aqui não pára.
Mais uma vez sinto que estou a mais, saindo do International Quarter – um quarteirão de turistas a monte – não se vêem assim tantos como nós e a vida segue sem ninguém nos ligar nenhuma.
E a comida? Há carne à venda no chão, peixes vivos para comprar em alguidares, ostras gigantes em esquinas duvidosas, bancas infinitas de caranguejos, amêijoas e burriés à beira da estrada, carrinhos ambulantes de sopas com todos os peixes e carnes, fondues de tripas anunciados, enguias fritas, passarinhos grelhados, espetadas de tudo para comer pelo caminho, café com ovo em cada porta, arroz e massas de todas as cores, ovos de codorniz em pirâmide, sandes com tudo e mais um ovo. E para isto tudo basta atravessar três ruas. A sério.
Como se não bastasse, descobre-se a Bia Hoi! Atentem nisto: cerveja feita diariamente, maturada em pouquíssimo tempo que depois é distribuída em barris pelos "bares", leia-se, qualquer-pedaço-de-chão, para ser consumida dentro de horas. Preço? Varia entre os 10 e os 30 cêntimos. Eu sei. Comprem já os voos. Cada esquina do centro de Hanoi tem três bia hoi corner cheios de vietnamitas a comer de tudo entre cada imperial.
Outra vez: a vida para além do turismo. Coisa que Lisboa se calhar vai ter que começar a aprender.
Hanoi é um rebuliço colorido e constante, como levar chapadas do nascer ao pôr-do-sol, que nos mantêm sempre alerta. Como num bom livro, estamos sempre ansiosos para ver o que vem a seguir mas com medo de ler à pressa, para que não se acabe.