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Costuma-se dizer que somos aquilo que comemos, não é? Giuseppe Arcimboldo, um pintor italiano do qual quase não se fala, levou esse pensamento à letra, em quadros que eram surrealistas séculos antes de esse termo ter sido sequer inventado. As suas obras mais famosas, das quais poucas sobreviveram até aos dias de hoje, são os retratos de personagens compostas por uma profusão de alimentos. Legumes, vegetais, frutas... Abóboras, cogumelos, batatas... Pintura que não se pode comer mas abriria o apetite se não resultasse tão grotesca.

Arcimboldo nasceu em Milão em 1527 e morreu em 1593. Em 1549 foram-lhe encomendadas obras em vitral para a catedral Duomo de Milão e em 1556 começou a trabalhar nos frescos para a Catedral de Monza. Os motivos religiosos que fizeram parte da sua produção artística inicial ainda podem ser vistos nestes locais, mas não foi por estas obras que Arcimboldo se tornou famoso. Em 1562 ele tornou-se no retratista da corte de Fernando I da corte de Habsburgo em Viena, e mais tarde, de Maximiliano II e seu filho Rudolfo II na corte de Praga. Arcimboldo chegou inclusive a ser o decorador e designer de figurinos para a corte. No entanto, a sua obra mais conhecida é a série de quatro quadros com o nome As Quatro Estações. Cada um dos quadros, realizados em 1573 e expostos hoje em dia no Museu do Louvre, representa uma personagem que é composta de elementos associados às diferentes estações do ano. Não era somente a comida que fazia parte destas composições. Raízes, flores e ervas também entravam nos retratos, especialmente no Inverno e na Primavera. Mas o Verão e o Outono, épocas de colheita, são pródigos em frutas e vegetais, remetendo imediatamente ao universo culinário.

Arcimboldo-Spring

Alguns críticos de arte sugerem uma possível disfunção mental que provocou esta originalidade artística. De facto, séculos antes do advento do surrealismo, seria necessário um génio ou um louco para inventar esta estética. Arcimboldo tomou conhecimento da obra de outro pintor, único no género, Bosch. Brueghel, Cranach, Grien e Altdorfer teriam sido outras das suas influências. O artista conheceu um grande apreço por parte das classes governantes e eram-lhe concedidos inúmeros privilégios. Algumas amálgamas de animais e vegetais nos seus quadros eram símbolos das cortes com as quais trabalhou. As suas pinturas eram admiradas pela sua originalidade e exotismo. Ainda hoje o são.

Os quadros de Arcimboldo são mais complexos do que aparentam e estão recheados de simbolismos, relacionados com os elementos incluídos. Mas há uma sensação de repasto em muitos deles. O Horticultor (1590), por exemplo, é uma natureza morta e um retrato ao mesmo tempo. A imagem representa um vaso com vegetais e legumes vários. No entanto, ao inverter o quadro, esta cena transforma-se num retrato de quem cultivou os mesmos elementos, sendo as bochechas feitas com as cebolas. A mesma lógica encontramos em O Cozinheiro, de 1571, em que um grotesco retrato se transforma, ao virar o quadro, num prato cheio de carne. Um cozido de leitão e galinha que serão tapados para não arrefecerem. Vai uma garfada?

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