Ser ignorante aumenta a capacidade de nos surpreendermos.
Depois de lermos e ouvirmos consecutivamente o quanto o Vietname é dos países mais difíceis para os viajantes pé-rapados, decidimos fazer aqui uma pequena paragem-passagem de quinze dias para picar o ponto. Ah porque eles odeiam turistas, a menos que vás para lá cheio de dinheiro. Ah porque eles são ensinados desde o berço a culpar todos os ocidentais por todas as desgraças que sofrem. Ah porque num país comunista talvez já não comam criancinhas mas sentes logo o atraso global. Ah!
Eis que, já bem avisados, mal passamos a fronteira e ainda no autocarro, vêm dois desses malvados tourist haters perguntar quem somos, o que achamos do país deles – com orgulho envergonhado – se precisamos de alguma coisa. Mas não pensem que nos enganam! De pé atrás, respondo fechada, pouca conversa, que de certeza que nos querem raptar ou vender qualquer coisa. Olha, foram andando a sorrir e em adeuses simpáticos. Só isso.
Chegamos: boquiaberta quase desfaleço no erro.
Vibração como a desta cidade ainda não conhecia por estes lados.
Arranha-céus como não há em Lisboa, pessoas, trânsito, energia, comida, tudo em quantidades colossais por metro quadrado. E aquilo que, de repente mas evidentemente me aparece, é: verdade.
Desde que cheguei à Ásia, e apenas agora o percebo, chego a um sítio em que a vida acontece mesmo sem eu lá estar. Não tenho a pretensão de ser o eixo do mundo tailandês ou cambodjano, mas aqui tudo acontece independentemente do turismo e isto eu ainda não tinha visto. Os passeios, as lojas e as estradas estão cheios de pessoas a ir trabalhar, a tomar café, a beber cerveja, a comprar roupa. Pessoas que vivem aqui! Em vez de tuk-tuks cheios de gente bronzeada a comprar eternas t-shirts I love Thailand, enquanto comem hambúrgueres a caminho da piscina de resort. Aqui as lojas não são de souvenires inventados, de tererés e tatuagens temporárias. São de ferragens, de tupperwares, de fatos de treino ou raquetes. Os supermercados em vez de chocapic e pizza vendem legumes, arroz e uma data de coisas não traduzidas. A cidade existe para quem lá vive e não está para venda.
A cada milhar de pessoas reconhecemos um par de turistas, a cada dez vietnamitas cumprimentamos nove sorrisos. E é este o Inferno a que viemos. Uma cidade com alma, não construída para nos agradar a nós, que nos respeita, nos ajuda e nos sorri. Um país que, atrevo-me a apostar, quando decidirmos desaparecer, nós turistas, vai ficar exactamente na mesma. E isto, garanto-vos, não é fácil de sentir por estes lados.
Ainda por cima, depois de dezenas de anos em guerra, Ho Chi Minh, em termos de desenvolvimento, é capaz de fazer corar muita cidade por essa velha Europa fora.
Um horror, isto aqui. Vou só ficar a assistir mais um bocadinho.