Fotografias: Hugo Sousa / gnration.
Nome incontornável do cinema de animação japonês, Miyazaki foi solidificando a sua obra ao longo dos tempos e na cidade de Braga, pelo GNRation, foi prestada uma homenagem, pelo seu septuagésimo quinto aniversário, com a projecção de mais de oito filmes do seu trabalho e com o distinto filme-concerto, encomendado ao músico português Noiserv, o qual aqui vincamos.
Noiserv é convidado a estruturar um sistema sonoro para embalar imagens produzidas por Hayao Miyazaki. Um episódio de Conan, O Rapaz do Futuro (1978) foi o filme escolhido para um embrulho autoral e singular.
No GNRation, em Braga, o músico apresentou um conjunto de sonoridades que visaram um acompanhamento interactivo, a partilha de modos, o jogo – uma relação efeito-causa com as imagens do japonês Miyazaki. Neste projecto, é retirado o som, quer do diálogo das personagens, quer do ambiente do filme. Na Blackbox, tendo por plano de fundo as imagens de Conan, o Rapaz do Futuro, Noiserv apresenta-se numa roda com os seus mais aliados parceiros à construção sonora: os seus instrumentos.
Um conjunto de instrumentos e demais aparatos electrónicos que, num sistema articulado, vão embalando as imagens do realizador. Neste embalo, Noiserv apresenta a capaz e eficiente possibilidade de nos fazer entender que as imagens, apesar de não terem perdido o seu discurso narrativo, ganhavam agora uma potência maior no seu processo de significação. Este espaço e este tempo, conceitos que se sublinham pelas duas peças (o episódio e o concerto) trazem à tona novas questões e pressupostos técnicos que serão, por certo, excelentes ferramentas para estudo académico e até mesmo para satisfação curiosa sobre animação, reinterpretação, interactividade, semiótica e multimodalidade. Ora, se os esquemas sonoros deste autor tornaram, de algum modo, as imagens de Miyazaki mais capazes no incentivo ao sonho e ao etéreo pensamento, podemos arriscar dizer que a contemporaneidade sonora, aliada, no caso, a um trabalho da década de 70, revitalizaram o conceito sem que o seu primeiro fosse descurado.
Ao longo de toda a projecção de imagens que iam sendo lançadas na esgotada Blackbox, Noiserv acompanhava atentamente todos os movimentos, ritmos e atmosferas com composições sonoras que se faziam apoiar em cada estado imagético. Salienta-se, porém, que todo este apoio é evidenciado pelos estados emocionais que os vários momentos e estádios do episódio vão evocando.
Uma vez que, para este filme-concerto, a palavra foi retirada do episódio, as sonoridades de Noiserv vêm complementar, como um tempero pessoal, toda a narrativa. Com respeito às cenas desenhadas, num género de plano base, o som do mar é o fundo acústico de todo o episódio. Contudo, rasgos e picos harmónicos, produzidos pelos mais variados instrumentos, iam interagindo e complementando o filme, guiando o espectador num sentido interactivo e de complemento Noiserviano. Interactivo porque foi respeitando princípios da comunicação, porque foi respeitando o uso de reacção, a estrutura e controlo na resposta sonora à imagem, porque foi respeitando o tempo e a sincronia da resposta, porque foi justo na adaptabilidade dos sons (agentes) escolhidos como resposta e no sentido criativo de autor.
Importante será, então, realçar que a Produção de Sentido explorada pelo músico neste projecto partiu de pressupostos interactivos e de complemento. Logo, neste projecto, as interacções variam entre signos sonoros mais ou menos compostos como o intuito de dar ao espectador a possibilidade de (ainda que em silêncio) criar reforços – novas potências – nas imagens.
Noiserv, como esta massagem sonora, respeita a viagem ao universo simbolicamente etéreo e que fundamenta (atreve-se, aqui, a dizer) os valores ético-morais pelos quais o realizador sempre se regeu, e que usou como premissa para educar o seu público. Neste filme-concerto, o músico (David Santos) Noiserv fomenta todas as Ordens de Significação das imagens do realizador; fomenta efectiva e denotativamente a sua estrutura musical, assim como, apoiado na ordem simbólica dos signos, nos reporta a um outro saber fictício e imaginativo.
Uma constelação de audio-ícones empunhada por Noiserv teve, neste filme-concerto, uma preocupação sincrónica com a imagem, com o movimento, com o ritmo e com todas as mais-valências que se pudessem viver e sentir. Uma interacção imediata e sincrónica que, por vezes, deambulava, de forma bem camuflada, em pequenas distracções, em curiosas audiotexturas; ícones dentro de ícones a que o músico nos vem habituando. Regido por este jeito icónico, Noiserv não se pegou às convenções, ao suposto, mas agarrou-se e embalou o público num estracto mais solto, mais desprendido de interpretações rigorosas e objectivas.
Noiserv embalou, massajou as imagens de Miyazaki.