Fotografias:Pic-Nic produções.
A entrada fez-se lenta mas de forma ordenada. As medidas de segurança assim exigiam. 800 pessoas esgotaram há semanas o concerto. Apesar do frio e da fila exterior se assemelhar ao saudoso jogo Snake, tudo avançava pacientemente.
A 23 de Novembro de 2015, Beach House voltariam pela segunda vez a este local. Da última vez (2013), apresentaram Bloom e o concerto recordam-no por ter sido mau pela escolha do local, sem ambiente e de acústica deficiente e pelo público desatento e ruidoso. O que estaria então reservado esta noite? Porque voltariam eles a tal sítio?
A honra de abertura em jeito de surpresa coube a Dustin Wong pelas 21:30. Ele fez de si um múltiplo de exponencial infinito, conjuntamente com uma guitarra, pedaleiras e loop station. Assim fez nascer e crescer camada sobre camada, alongadas paisagens instrumentais. A voz rareava, mas existia. Agradeceu o privilégio de poder estar em tour com os senhores que se seguiriam. Por sua vez os próximos, na voz de Vitoria Legrand, agradeceram a partilha da estrada com Dustin, tornando a experiência de tournée, que pode por vezes ser violenta, numa viagem mais leve e confortável.
35 minutos passados, silêncio. A sala estava composta, mas estranhamente pouco ruidosa para um espaço que se apresentava agora cheio.
22h22 – depois de um último teste aos micros, somem-se os roadies e faz-se escuro.
22h30 – entram em palco: Skyler Skjelset (dos Fleet Foxes), Graham Hill e por fim o duo de Baltimore: Alex Scally e Victoria Legrand.
Das palmas ao silêncio, Levitation inicia o sortilégio. De lilás e escuridão se fez o palco. Victoria e o teclado ao centro. Esta renega à luz gesticulando bruscamente: não só a dos flashes de quem, na primeira fila, tenta em vão ver para a além do seu manto capilar que a mantem a salvo e suficientemente distante de nós. Pede à organização que apague a iluminação existente no balção. Pedido não atendido. Era intimidade que se desejava para a apresentação dos dois últimos álbuns, editados este ano num espaço de 3 meses entre si e furando qualquer convenção da indústria da musical. Dizem que o ímpeto artístico e conceptual foi soberano e que estas canções pertencem a este oportunidade temporal, não fazendo sentido serem partilhadas de outra forma. Diria que a surpresa agrada sempre.
Se em Depression Cherry (Agosto de 2015) tateamos sobre um chão de algodão nem sempre doce, em Thank Your Lucky Stars (Outubro de 2015) sentimos o calor progressivo de um avistamento solar.
Estas foram as constelações maiores da noite, embora tenham tocado canções de todos os outros álbuns. De fora ficaram as enormes e sobejamente consagradas Gila ou Zebra. Saltwater, a primeira canção que compuseram juntos foi tocada apenas pelo duo em palco.
Para o palco trouxeram na bagagem panejamentos translúcidos e luzes estrelares que nos remeteram para um céu morno de verão. Dream Pop foi a catalogação que lhes coube, mas nem só de cor-de-rosa é feito o mundo dos sonhos. Existem também lugares sombrios que transportam ansiedade e tumulto, mas sobretudo a noção que não existe tecto para a fluidez da imaginação onírica.
O som apresentou-se pouco limpo, sem injustiça, direi que não soou bem. Demasiado cru. Quem não os conhecesse terá ficado com a ideia que estavam ali músicos amadores e de parca mestria instrumental. No entanto, foi um processo construtivo e de desbloqueio progressivo. Até a voz de Victoria foi crescendo no decorrer do concerto. Acabando em luz, embora os pés não tenham saído do chão.
Falando-nos, recordam 2008 em Lisboa, como um saudoso momento de viragem na sua carreira, onde até então estavam habituados a tocar para audiências escassas. Nesse ano provocariam uma enchente extraordinária à porta do Maxime. O mito por cá cresceu e no ano seguinte voltaram em contexto de festival. Dessa vez o duo arrebatou no Teatro Tivoli. A voz de Victoria lembrou-me Marianne Faithfull – uma voz antiga em corpo de menina. Parece não bater certo, mas tudo encaixa nesta terna estranheza.
Em suma, Beach House já provaram que são e que conseguem. Não aqui, nem agora. Este Armazém F, “não-lugar”. Merecem – eles e nós – melhor. Despedem-se dizendo que vão voltar para mais.