ARTISTA ENTREVISTA ARTISTA

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Foste, és e serás sempre arquitecto seguramente, pelo menos em muitos modos de olhar e interpretar a realidade. A pintura assume agora um lugar preponderante na tua vida. De que modo a arquitectura ainda se expressa no teu trabalho?

Certamente que se expressa de algum modo, mas não pretendo que seja de forma intencional. Somos feitos de corpo e alma e de um acumulado de experiências que nos vão moldando. A arquitectura foi um pilar fundamental no meu desenvolvimento pessoal. Foram 7 anos de formação académica e mais 10 anos de prática de ateliê. Foram 17 anos vividos com muita intensidade em torno dessa disciplina mas em 2008 retomei a minha formação de artes plásticas no Ar.Co com um conjunto de interesses que me levaram para outro universo. Para mim, estes dois universos representam desde cedo realidades diferentes.

Há uma cultura arquitectónica, enraizada na história, na teoria e na crítica, em muitos casos liderada pelos próprios arquitectos através da reflexão sobre o seu trabalho, o mesmo pode-se dizer relativamente às artes e à pintura em particular?

Totalmente. A pintura sempre promoveu o discurso e cada época teve os seus consensos e as suas rupturas. Os artistas nunca pararam de criar com motivações plásticas que procuraram expandir os conceitos estéticos da sua contemporaneidade. Os que mereceram destaque na história da arte são aqueles que de algum modo contribuíram para essa expansão. O exemplo mais extremo do séc. XX talvez seja o do Duchamp. Enquanto Picasso “baralhou as cartas” e de certa forma jogou o mesmo jogo, Duchamp optou por “deitar fora o baralho” e experimentar um novo jogo.

Muitos arquitectos, assumem assim um papel importante nesses campos, de que modo é que isso se expressa na actualidade na arte em geral?

De um modo muito individual e ao mesmo tempo limitado. Individual porque já não faz sentido pensar a arte em termos de rupturas, tendências, correntes, ou vanguardas ou qualquer outro termo que procure uniformizar ou classificar um grupo ou um conjunto. Limitado porque são cada vez mais estreitas as fendas por onde se pode entrever as possibilidades de expansão. Pondo a hipótese de existir um conceito de inovação na arte contemporânea, então ele manifestar-se-á sobre a forma de um colectivo onde cada artista, na sua individualidade, contribuirá de forma orgânica e minimal para um todo mais plural. Não estou a reconhecer na actualidade um cenário em que determinado artista assuma um papel de relevo (no que diz respeito à ideia de expansão) à semelhança do que se passou ao longo do século XX. Talvez por isso a arte seja hoje também um assunto difícil para o recetor.

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As artes, entre as quais a arquitectura, possuíam preocupações muito próximas, tudo isso se foi progressivamente alterando com as rupturas introduzidas a partir do final do séc. XVIII. Hoje esses campos parecem actuar autonomamente ainda que as influências entre estes sejam uma constante realidade. Alguns pintores passaram de uma utilização da arquitectura como um possível objecto de representação, para a própria construção, para uma transformação da sua matéria em algo tridimensional, integrando territórios novos. Um caso como o de Anselm Kiefer, ou de James Casebere, de modos muito distintos parecem abordar e sugerir ambientes que poderiam reportar para a arquitectura. É algo que te possa interessar ou a arquitectura já está demasiado distante? Pergunto isto porque me pareceu que muito do teu trabalho poderia vir a explorar uma outra dimensão.

Procuro que a relação que tenho com a arquitectura não influa directamente na necessidade e nos meios de expressão artística. No contexto que falaste, existe a arquitectura como disciplina, e a arquitectura como objecto de representação. Os artistas que referiste fazem uso da arquitectura como objecto de representação mas não estão a fazer arquitectura. Operacionalmente, considero universos distantes. Tenho tentado desenvolver o meu trabalho artístico de forma orgânica e pensar o futuro não contribui para este processo. Neste momento tenho o desenho e a pintura no centro das minhas preocupações. Se vier a sentir necessidade de explorar uma outra dimensão ou um outro meio, tentarei fazê-lo.

Como arquitectos lidamos com questões de natureza muito diversa, ainda assim presas a realidades muito concretas. De que modo se constrói hoje a realidade da pintura?

É um assunto (desejavelmente a meu ver) muito complexo tanto para os artistas como para o público. Certamente, constrói-se com mais incertezas do que certezas. Na pintura não vejo realidades concretas, a não ser talvez, a herança do passado e o presente. Gorgio Agamben escreve sobre o presente e o que é ser contemporâneo num ensaio muito interessante intitulado O Que é Ser Contemporâneo?. Este texto toca em muitos assuntos que se deveriam relacionar com a realidade da pintura hoje.

Enquanto arquitecto consigo avaliar o sucesso de uma obra, no sentido em que traduz melhor ou pior os conceitos e ideias que lhe deram suporte. Essa avaliação é implacável, uma vez que se produz perante uma realidade incontornável, o objecto construído. Imagino que na pintura esse processo de avaliação seja contínuo, lembro-me das pinturas de Le Corbusier, levadas ao extremo tendo sido repintadas em diversos períodos, é assim?

Bem… essa avaliação será estática? Ou seja, mesmo perante um objecto construído e tendo por base as ideias que lhe deram suporte, essa avaliação parece-me sempre fugidia. Hoje olhamos para uma obra de arquitectura do Le Corbusier com um distanciamento que nos permite defender lucidamente uma posição crítica. Daqui a 50 anos essa lucidez será já diferente… um processo que não estabiliza. Na pintura passa-se o mesmo. Hoje escrevem-se textos sobre obras históricas num contexto contemporâneo que são muito diferentes dos textos correspondentes ao tempo em que as pinturas foram produzidas. A percepção actualiza-se. É natural, portanto, que ao longo da vida de um artista, a mesma obra possa ser retrabalhada vezes sem conta… Tem a ver com essa actualização do olhar. Entre outros, Thomas Nozkowski é um artista que volta às suas pinturas anos mais tarde e/ou vezes sem conta, com resultados muitos interessantes.

A pintura é um campo aberto a inúmeras possibilidades. O Pancho Miranda Guedes reclamava para os arquitectos a mesma liberdade que os pintores, o Louis Khan por outro lado indicava que os arquitectos não podiam construir a realidade do mesmo modo que os artistas a podiam representar. Ou seja, como se mede em teu entender a liberdade em pintura?

Parece-me que ambos estavam certos no que reclamavam… É muito importante defender a ideia de liberdade e também é verdade que essa liberdade significa coisas diferentes para os arquitectos e para os artistas. Hoje em dia ninguém impõe dogmas nem receitas, por isso tanto os arquitectos como os artistas podem considerar-se livres criadores. A maneira como cada um interpreta e materializa essa liberdade é que é central nesta questão. Paradoxalmente, numa época de maior liberdade criativa, sinto que temos menos amplitude para explorar. No passado, as utopias, as vanguardas e os manifestos foram glorificados, e serviram como um combustível explosivo para a criatividade. No pós-modernismo, todas essas ideologias deixaram de fazer sentido, ficando em aberto um vazio sem nenhum destino particular. Esse vazio é como um fogo sem combustível…

A exposição Por Vezes, Certas Vezes, Outras Vezes. de Bruno Castro Santos está patente até dia 8 de Novembro na Sala da Cortiça do Museu de História Natural e da Ciência – Rua da Escola Politécnica, 56-58, Lisboa.

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