Gosta de provocar reacções e que as pessoas dêem continuidade às suas performances. Gosta do que vem depois e que fica fora do alcance e por vezes gostava de suscitar mais reacções ao seu trabalho do que aquelas que já despoletou neste nosso povo de brandos costumes. Afinal este enfant terrible já esfaqueou Afonso Henriques, já fez o enterro de Portugal e já criou frases provocatórias como: "A Globalienação do Capitaclismo", "O povo vencido jamais será unido", ou "Until debt tear us apart". Frases relacionadas com o seu sentido de humor e forma de ver as coisas. Dele fazem parte a publicidade, o design e de comunicação e o acto de brincar com as palavras. Diz não ser cínico nem sarcástico, simplesmente irónico.
Porquê a escolha da política como tema e assunto principal do teu trabalho?
Acho que não escolhi, foi algo natural que aconteceu. Tinha 17 anos quando comecei a fazer graffiti e os estímulos foram criados pela música que ouvia, pelas influências que tinha em casa e pelos meios onde circulava, sempre mais ligados às artes. Sempre tive essa tendência para me preocupar com os meios sociais, está dentro de mim. Anos mais tarde quando surgiu o ±MaisMenos± acabei por juntar todas essas ferramentas com a influência da rua e com o que fui aprendendo.
Quando e como começaste a utilizar o nome ±MaisMenos±?
Surgiu no âmbito académico. Estudei Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes do Porto e o graffiti sempre foi a génese do meu trabalho, mesmo do académico. Depois de muitos anos de rua senti necessidade de criar um projecto que reunisse todas estas minhas vontades e que questionasse o curso que tinha acabado de tirar. Não estava satisfeito com o que me iria tornar, uma espécie de maquilhador do sistema de mercado. Portanto decidi com o meu último projecto criar a anti-marca e quando comecei na prática a dar vida a todas essas ideias surgiu-me o ±MaisMenos±. Naquela forma gráfica vi a anulação desse sistema de mercado: ±MaisMenos± = Zero.
< Nos anos 60, 70 a arte era uma arma usada para lutar contra os sistemas vigentes. Os artistas eram bastante mais políticos e interventivos, uma realidade distante da actual...
Está relacionado com a alienação em que vivemos, uma das consequências do sistema. Vou-te falar em sistema muitas vezes (risos). Entrámos num consumo desenfreado e a comunicação tornou-se desinformação. Existe uma busca constante de quem controla a sociedade, especificamente para nos tornar desinteressados. As pessoas não se interessam por política e preocupam-se com coisas supérfluas como a vida de outras pessoas ou com os desportos de competição. Tudo porque o sistema criou estes dogmas e formas de estar na sociedade para nos afastar da arena pública. O sistema de propaganda é tão forte que basta olhar para a estrutura de um telejornal e perceber que metade é dedicado ao futebol. O jornalista já nem sequer investiga, limita-se a obedecer a ordens que lhe são dadas e impostas por agências de comunicação. No fundo há que manter as pessoas afastadas e é essa realidade que tento contornar com a minha arte.
Hoje em dia são poucos os artistas que se inserem neste contexto. Ai Weiwei (que sofre diariamente), Voina, Pussy Riot e pouco mais. Sentes-te feliz por fazer parte deste pequeno grupo de artistas interventivos?
Nem feliz, nem triste. Na verdade tenho pena que não exista mais intervenção nem vontade de estimular um pensamento crítico. Acho é essencial que existam mais artistas interventivos.
Qual a tua opinião sobre o trabalho de final de curso de Élsio Menau, o aluno do Algarve que enforcou a bandeira? Achas que de certa forma foste uma influência para ele?
Sim, eu conheço-o e acho que de algum modo sim. O trabalho dele foge um pouco da intervenção política mas começou a fazê-lo e é bom sentir isso.
Em Guimarães capital da cultura criaste a série Portugal 1143-2012 constituída por seis capítulos performativos com base na história do país. Como te surgiu esta ideia?
Uma vez em Guimarães pensei em pegar naquilo que eu achava que era a história de Portugal e assinalar o que estava a acontecer no presente. O primeiro foi O Aviso, o segundo A Traição, o terceiro A Repressão e o quarto A Morte. Existem dois que ainda não realizei.
A Morte consistiu no enterro do país. Que repercussões teve o vídeo?
Contratei várias pessoas para fazer a perfomance e lembrei-me que poderia contratar a Guarda Nacional Republicana. Assim foi, paguei 280 euros, eles foram, correu bem e não deu um grande alarido. Passados 15 dias acabou por servir de bode expiatório para algumas lutas internas da Guarda. Utilizaram a realização do funeral para chegar a objectivos que me ultrapassavam, como a demissão do comandante distrital de Braga. Ele nem sequer estava relacionado com a performance, mas como era a pessoa máxima responsável pelo destacamento de Braga acabou por sofrer as consequências. Foi algo que me ultrapassou a nível artístico, profissional e pessoal. Não era de todo a minha intenção mas acabou por significar uma continuação da performance.
És um enfant terrible da arte e no segundo capítulo desta série, A Traição, esfaqueaste Afonso Henriques pelas costas. Porquê?
Queria representar o facto de Portugal estar a ser traído e pelos próprios portugueses. Daí a faca ter as cores da bandeira nacional. Foi na altura que Portugal abriu as portas à Troika e esta performance é uma metáfora simples. Afonso Henriques é o fundador de Portugal e o país que ele fundou está a deixar de existir porque o trabalho que ele começou está a ser vendido e está a perder a independência. Estamos a perder a soberania ao nos entregarmos aos interesses financeiros internacionais. Acaba por simbolizar o país a sangrar.
Acaba por simbolizar também a tua irritação com os portugueses que compactuam sempre com tudo o que lhes é apresentado.
Sim, somos dominados por uma inércia estranha e confortável. Não sei, faz parte de nós. É o país do fado.
Foi também o que te levou à criação do trabalho com frases que adulteram o hino como: "Ireis pagar pobre povo" ou "Nação doente e mortal"?
Exactamente. O povo não quer ver o óbvio e é muito facilmente enganado e manipulado. Faço estas intervenções para tentar estimular o pensamento crítico das pessoas para que percebam mais ou menos o que se está a passar com elas.
Por tudo isto já percebemos que não é difícil ser politicamente incorrecto em Portugal, mas o que é que sentes ao fazer a tua arte em países como Angola ou Brasil. Não sentes um certo medo?
Mais ou menos. Em Angola fiz uma intervenção interessante ao escrever “Somos Livres” e colocando o símbolo ±MaisMenos± por cima. Estava a acabar o trabalho e as pessoas ao passarem diziam: “mais ou menos somos livres” e deram uma conotação que nem eu próprio me tinha apercebido. Foi curioso. Em Angola tive que ter alguns cuidados, ser rápido e não permanecer muito tempo no espaço depois das intervenções. No Brasil, pelo contrário, foi fantástico. Fiz um mural com uma nota de real e as pessoas passavam na rua, agradeciam-me e diziam: “é preciso falar”. Quando se chega aos sítios é sempre necessário fazer um reconhecimento local e cultural e perceber como funcionam as mentalidades.
Recentemente foste lá fazer a exposição Street Art – Um Panorama Urbano, em que desenvolveste novos trabalhos dedicados ao panorama brasileiro. Em que te baseaste e que temas abordaste?
Baseei-me essencialmente em várias problemáticas do Brasil. Foquei-me na Copa do Mundo e fiz uma peça com uma bola esfaqueada para simular o assalto que acaba por ser toda a estrutura financeira criada à volta da FIFA e da Copa. Fiz também uma camisola da selecção brasileira com notas de real como referência ao facto de o desporto ter uma relação muito íntima com interesses financeiros. Criei uma peça referente à exploração da terra, abate das árvores e destruição das comunidades índias para a qual concebi uma serra eléctrica com uma coroa de índio. Para terminar fiz um happening na inauguração em que na entrada da galeria desenhei um campo de futebol com migalhas. À medida que as pessoas passavam por cima do campo destruíam-no e no final pouco restou.
Penso que foi em Berlim que começou o boom da street art. Hoje em dia Lisboa já está inscrita nos circuitos turísticos de quem aprecia esta forma de arte. Como é que vês este boom?
Acho muito bom porque temos artistas fantásticos em Portugal. Acaba por não ser apenas um reconhecimento do que se faz por cá, como demonstra algum interesse por parte do lado mais camarário e institucional. O saldo é positivo porque também nos insere enquanto artistas e enquanto cidade, num circuito do qual estivemos fora muito tempo.
Como vês a actividade da galeria Underdogs ao impulsionar a arte urbana e ao levá-la não só da galeria para rua como vice versa?
Primeiro que tudo, acho que o trabalho dos Underdogs, que é impulsionado pelo Vihls, tem o seu mérito. No fundo é uma vontade dele em querer elevar a street art nacional e ao mesmo tempo trazer artistas internacionais para exporem em Portugal. Só daí já tem o seu valor. A nível pessoal vejo por dois prismas, primeiro interessa-me o facto de poder criar outras peças que não poderia criar na rua. É uma forma de expandir o trabalho, ao mesmo tempo que é uma forma de sustentabilidade.
O Mural sobre o 25 de Abril que fizeste na Avenida de Berna em conjunto com outros artistas acabou por ser vandalizado poucos dias depois. Irrita-te esta destruição constante dos trabalhos de street art?
Não propriamente. Eu acho que a rua é um organismo vivo e o trabalho nunca é estanque. São estas manifestações que acabam por lhe dar mais relevo. As pessoas sentem a necessidade de fisicamente dizer algo sobre o trabalho e eu acho isso interessante. Há intervenções que são feitas num dia e morrem ali e se tiverem a intervenção do público acabam por ter continuidade. É quase um reanimar dos trabalhos. Muitas vezes custa mas tem um sentido. É mais uma história para contar e a partir do momento que deixamos um trabalho na rua ele deixa de ser nosso.