Aldeia da Lapa do Lobo, concelho de Nelas, distrito de Viseu
Um miradouro suspenso sobre o vale e um magnífico pôr do sol, que vai entornando sem pressas aguarelas laranjas sobre os cumes das quatro serras no horizonte, da mais alta para a mais pequena: Estrela, Açor, Lousã e Caramulo. Bastaria uma experiência assim para nos encher de alegria pela grandiosa paisagem diante dos olhos mas tudo pode ficar ainda melhor se pedir um gin tónico ou um vinho, servido com requinte e simpatia pelos funcionários das Casas do Lupo, um alojamento rural encastrado no coração da região vinícola do Dão.
Do Vale do Lobo, uma reserva com 40 hectares de que os hóspedes podem desfrutar para passeios a pé, de bicicleta ou de jeep, não se avistam as vinhas, mas a poucos quilómetros há quintas e adegas com circuitos surpreendentes para quem quiser experimentar o mundo das provas de vinhos. Vai custar um bocadinho sair do conforto das Casas do Lupo e da sua refrescante piscina e jardim perfumado a lúcia lima, hortelã, tomilho e oliveiras, mas seria uma pena perder a viagem na história e na natureza que existe para lá dos portões e dos muros da casa.
Apesar das vistas largas, o alojamento está inserido em plena malha da aldeia Lapa do Lobo, numa rua empedrada a granito e ladeada por velhos solares. No calor violento do estio beirão, as pessoas abrigam-se nas sombras das varandas alpendradas e conversam ao fresco, empoleiradas nas típicas escadas exteriores que levam ao primeiro piso. Hoje já ninguém guarda animais no piso térreo mas permanecem muitos dos elementos decorativos que tornam estas casas um autêntico museu vivo, desde as vigas de pinheiro no chão, passando pelos tectos em gamela ou “fundo de caixão".
O projecto de recuperação das quatro Casas do Lupo apostou nos materiais construtivos tradicionais (o granito e a madeira) e fez discretas utilizações de outros mais contemporâneos, como o vidro e o aço corten. Vale a pena escolher um dos oito quartos em função do humor e da ocasião: existem mais tradicionais, com as camas de ferro pintado e móveis antigos recuperados ou resgatados em feiras, leilões ou outras casas da família; históricos, com portadas de madeira e requintados frisos decorativos a servirem de cabeceira; artísticos, com móveis dos anos 50 em estilo retro, provenientes das antigas fábricas e marceneiros locais, harmoniosamente combinados com as poltronas e os sofás que convidam ao descanso e à leitura. Para os muito “in love” há um romântico quarto no sótão, forrado a madeiras pintadas de branco.
Recomendamos uma visita à Fundação Lapa do Lobo, a escassos metros das Casas do Lupo, para fazer o reconhecimento da aldeia e conhecer as suas singulares lendas. Aqui há lobos, como o nome indica, mas são bons e protegem os pastores. Também há uma padroeira, Santa Catarina, mas usa espada à cinta e fugiu para a serra em noite de temporal porque não queria casar. Na fundação encontra uma biblioteca bem apetrechada com literatura sobre a região, um moderno auditório, uma sala de exposições e uma casa sempre aberta para os visitantes curiosos.
A aldeia guarda orgulhosamente as suas tradições: o forno comunitário, as alminhas, os terreiros, o pelourinho, a igreja e a capela mas está bem viva e habitada por gente nova. As indústrias têxtil e de componentes automóveis instaladas no distrito de Viseu vão garantindo emprego e os municípios não esqueceram o investimento na recuperação do rico património cultural e nas artes tradicionais: mantas e bordados, madeiras pintadas, presépios de pano, cerâmica de barro negro.
Para quem gosta de comer, a Beira é um farto paraíso: os reis da mesa são o queijo e o requeijão da serra da Estrela mas cada refeição pode ser uma festa, celebrada a cereais, pão de milho e centeio, feijão com couve, azeites tradicionais e mil maneiras de servir as carnes e enchidos, assadas e curados em fornos de lenha.
Algumas calorias são necessárias para enfrentar a aridez montanhosa do solo. Fogos sucessivos já consumiram uma boa parte da antiga floresta de carvalhos, castanheiros e vidoeiros mas ainda há muitos caminhos rodeados por árvores centenárias e frondosas. Fizemos a descida ao Mondego, que corre a poucos quilómetros, numa das bicicletas disponíveis para os hóspedes. Para lá foi fácil, em trilho acidentado mas sempre a descer, em direcção à mais bela curva do rio, estreitado pelas enormes lajes de granito que caracterizam a região. As dificuldades do regresso garantem adrenalina mesmo aos BTT’s encartados.
O mergulho também pode ser cultural, o que não é difícil: em cada pedra, mais ou menos, mora uma história. Só que aqui elas têm mais de 5000 anos e constituem uma das maiores colecções de arte rupestre da Europa. A partir das Casas do Lupo e seguindo os roteiros que eles prepararam, há passeios imperdíveis para fazer a pé ou de bicicleta e que passam por dólmenes, antas e outros monumentos funerários neolíticos.
Se o dia for preenchido, vai saber ainda melhor o descanso ao final do dia, na piscina ou na sala de estar da casa, bem recheada com os livros dos escritores beirões. A terra é fértil em literatos mas escolhemos o maior de todos – Aquilino Ribeiro – que assim descreveu os costumes e a paisagem “imareada” da Beira: “A natureza do solo com escarpa após escarpa, pedregulhal após pedregulhal, estreitos vales como no Vouga descendo verdadeiras circunvalações em torno de cabeços empinados. O aborígene agarrou-se à fraga pelo mesmo milagre porque um carvalhiço, uma azereira, medram em cima da peneda sem que se veja o húmus que os sustenta”.