Em Dezembro termina um dos projectos de referência da arte feita em Portugal – pelo menos, nos moldes em que o conhecemos
Presente
Até dia 28 de Junho, quem entrar na Sala do Veado do Museu de História Natural (Rua da Escola Politécnica, 54-60, Lisboa) depara-se com uma peça artística de grande escala. Um ser gigante, negro, uma presença na obscuridade. Um veado fêmea ou um macho jovem sem as hastes. Um ser totémico, uma escultura (quase) sacra, num ambiente que nos põe naturalmente a caminhar pausadamente e a sussurrar. O responsável por esta instalação é Miguel Branco, que aqui expõe o resultado de um trabalho de pesquisa de 10 anos que parece predestinado para esta sala neste preciso tempo.
Há quem seja levado a pensar que esta é a última exposição que aqui ocorre, dada a carga dramática e a implícita homenagem à sala, ao seu património de outrora e ao que aqui se viveu nos últimos 25 anos. Mas não, a programação vai fluir naturalmente nestes meses que restam, sob a responsabilidade de Sofia Marçal, a curadora desde 2008 deste espaço emblemático de Lisboa.
Passado
Em 1990, no último ano dessa década de 80 que em Portugal foi também o tempo da afirmação e consolidação de projectos e circuitos, mercado e público de arte contemporânea, o Museu Nacional de História Natural abria ao exterior a “Sala do Veado” como lugar privilegiado de criação para artistas emergentes e projectos não comerciais. Era director do Museu o Prof. Galopim de Carvalho e a assessoria artística esteve de início a cargo de André Gomes, Francisco Rocha, Gilberto Reis e Sérgio Taborda. Em 8 de Junho desse ano, Fernanda Fragateiro inaugura o espaço com uma instalação efémera de que hoje há apenas testemunhos fotográficos.
Essa lógica de experimentalismo, de pesquisa, de interdisciplinaridade, levou a uma programação regular, ininterrupta, mas não forçosamente a uma montra de primeiros projectos de jovens artistas. Ao longo destes 25 anos, esta sala expôs, individual ou colectivamente, grande parte dos artistas visuais portugueses. Obras de nomes consagrados, de nomes que posteriormente o mercado e/ou a crítica consagrou, de artistas que se mantêm na margem ou de artistas com carreiras sólidas ou estratégias de comunicação bem delineadas são parte da memória e do espólio imaterial deste espaço.
Em 2010, no catálogo comemorativo dos 20 anos, são 245 os artistas referidos como tendo exposto ou participado em projectos exibidos nesta sala. Aqui coube o desenho, a escultura, a pintura, o vídeo, a performance, a dança, o teatro ou a simbiose e o cruzamento de disciplinas dificilmente classificáveis. Em Dezembro, quando fechar portas, o número total de artistas será de cerca de 300, informa Sofia Marçal.
Num texto para o catálogo, o ex-director Galopim de Carvalho alertava para o facto de aquela área do Museu (destruída durante um incêndio em 1978 e ainda hoje não recuperada na totalidade…) ser vocacionada para a divulgação da geologia, da paleontologia e da mineralogia e que aqueles 200m em cimento cru um dia veriam cumpridas as promessas de reestruturação sistematicamente adiadas. Palavras premonitórias.
Que futuro?
Em Fevereiro de 2015, a actual direcção do Museu Nacional de História Natural emite um comunicado a informar que “decidiu dar por terminado o programa conhecido por Sala do Veado em finais de 2015”. Refere que a reavaliação da programação de arte contemporânea nos espaços do Museu já estava prevista no plano de actividades para 2014 e que o facto de a Sala do Veado funcionar como uma galeria de arte, alugada mensalmente a artistas, “sem a formalização de qualquer assessoria artística externa”, levanta “questões de natureza ética e técnica”, e que de futuro se “deverá recorrer preferencialmente a mecanismos de assessoria externa e de colaboração com outras instituições”.
Aguardemos então e o tempo confirmará se estes 25 anos da Sala do Veado foram ou não verdadeiros tempos de liberdade e de independência artística, condições indispensáveis para a criação e a fruição estética.
"Nada é permanente, excepto a mudança." Heraclito – século VI a.C.
(As imagens da fotogaleria foram digitalizadas do catálogo Sala do Veado – Vinte Anos. Assinala-se a data da exposição, não a da criação da obra.)