Gosto sempre da forma como o Porto me recebe, apesar da humidade e do frio. Este ano volto ao Primavera Sound no Parque da Cidade para mais três dias de música e sorrisos.
O parque continua igual e o recinto também, e é curiosa a forma como caminho pela relva como se fosse já a minha segunda casa. É natural, portanto, que caminhe sem dar conta para a barraca do gin como se hipnotizado.
Gin na mão é tempo de apanhar o resto do concerto de Bruno Pernadas.
Ora o Pernadas tem um disco que a crítica especializada (toda a gente menos eu) considera único e genial. Eu considero que é das melhores coisas que foram feitas em portugal nos últimos 20 anos. Em palco Pernadas apresenta-se tímido, com o seu ensemble sempre certeiro na interpretação dos temas. Há qualquer coisa que liga a música dele com este Parque e as pessoas à minha volta pareceram concordar. Talvez fosse isso ou o facto de estar a regressar a este local mágico, mas uma pequena lágrima ameaçou cair.
Decido subir o recinto até porque são horas de lanchar. Pico o ponto na bifana da Conga, local que me alimentou muito bem o ano passado mas de caminho reparo nas belas carnes argentinas na brasa e penso logo em traição.
Bifana aviada é tempo de voltar aos palcos que hoje funcionam, que são só dois mais um para a senhora Patti Smith. Mikal Cronin começa a tocar e encena o seu rock correcto, com pequenas transições lânguidas em refrões certos. Representa bem o seu papel embora com alguma reserva em cima do palco.
O mesmo não se poderá dizer de Marc DeMarco. Com o seu sorriso contagiante e bem incitado pelo público percorre o seu cancioneiro por vezes mais lo-fi e doutras mais arrebatador sempre com uma descomplexada atitude de criança que conquista toda a gente.
Embora apetecesse o concerto de uma ponta à outra, os meus deveres de escritor destas coisas de festivais chamaram-me ao palco Pitchfork para ver a senhora Patti.
Estava escrito que era um concerto acústico com spoken word mas spoken word nem ouvi-la. Tocou alguns clássicos como Because the Night e outros momentos mais sentidos e melancólicos que a início poderiam soar a chatice mas há qualquer coisa na voz e presença de Patti Smith que te faz prender. Apesar de o recinto estar lotado de cadeiras e, como toda a gente sabe, num festival ninguém se senta, houve envolvência q.b. e fica aqui uma amostra do que será a rendição ao álbum Horses na sexta-feira.
Para algo completamente diferente nada como ver e ouvir uma menina que ainda não tem o arcaboiço nem a história da Patti mas que vai certamente provocar algumas erupções. Embora a música de FKA Twigs não seja propriamente única, energética, ou profundamente memorável, o conjunto com que ela se apresenta, dança, luz de palco e voz que te chega cá dentro sem pedir licença, transforma-a numa diva alien que parece ter descido à terra para 45 minutos de contacto com os humanos.
O ritmo lânguido e espaçado, feito de bits e bytes e percussão sincopada e lenta é propício para a dança de gazela que FKA nos apresenta e o público fica vidrado. Certo que não será o espaço mais intimista para este espectáculo mas como o recinto estava cheio acho que a comunhão foi solene.
É difícil tirar aquele rosto da cabeça, por isso não foi com muitos bons ouvidos que ouvi os primeiros acordes de Say Hello to All Angels do primeiro álbum de Interpol, Turn on the Bright Lights.
Sim, esse primeiro álbum deles continua a ser das poucas coisas de verdadeiramente impressionantes que os Interpol colocaram cá fora e não conseguiram igualar esse feito apesar do batalhão de discos seguintes. A voz de Paul Banks parece um bocado fora de contexto como se ele estivesse dentro de uma bolha. Aos poucos começa a aquecer e já soa mais familiar.
Nota-se uma certa fatiga nestes Interpol, mas também não vi o concerto todo porque já estava na hora da ceia.
Este primeiro dia trouxe algumas supresas mas nada de verdadeiramente revolucionário, apesar dessa deusa que é a FKA Twigs. Vim me embora a tentar recordar-me de uma música dela para cantarolar mas não me ocorreu nada.