MÚSICA

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Fotografias: Pedro Nunes.

Sensivelmente a meio, com a alma cheia, nós e ele, e por ele entenda-se Tatá Aeroplano, Tatá maravilha-nos com mais um conto, da categoria dos contos que se desfiam à nossa frente com o mesmo encantamento com que depilamos um croissant do Careca. Qualquer coisa assim – No meio da estrada, de noite, pega no voicetracer, dita uns quantos pensamentos suspensos, melodias avulsas que mais tarde vão dar canção. Acontece que quando chega a casa repara que na cassete o registo sumiu. Passados dois anos, no meio de uma tempestade, na caótica e infernal São Paulo, pela descrição será o posto avançado do purgatório, eis que o que tinha perdido ressuscita. Explicação não há. Tatá é leveza, é o vizinho que encontramos todos os dias sem nunca saber o nome, mas a quem sorrimos com a mesma amplitude com que o fazemos numa rave a um desconhecido. Está tudo bem, quando acaba bem. Afinal, o quotidiano é e será sempre o melhor viagra para um escritor de tão elevada estirpe.

Continuando, o exercício de leitura colectiva eis outra história – Tatá, já em Lisboa, na manhã do dia do concerto, propõe-se subir a Rua das Flores. Quem conhece esta parte da cidade, sabe que por muita ortogonalidade emergente há sempre um beco, um botequim para se perder. Tatá deu com o beco dos Apóstolos. É melhor começar a pensar em não negar o poder das coincidências. Não sabemos se existem, mas que las hay, hay. Prosseguindo, Tatá e o Beco dos Apóstolos e nem de propósito música nova, estreada no Musicbox na passada noite de 15 de Abril. Há salvação e grande parte do público deseja acreditar em tal. Vemos com melancolia enternecedora amigos, recentemente afastados das paixões da vida, abraçarem-se com igual intensidade pelos amores que perderam, como pelas amantes que irão vir. Tatá explica. Tatá cantará sempre melhor – “Ela subiu para me devorar | com olhos fumados, olhos bebidos”. Quem nunca? Quem nunca desejou um encontro ao fim da noite, às 5 da madrugada, com a mulher dos nossos sonhos?

Tatá é boa-venturança. Pega nos instrumentos de plástico, na harmónica, no pífaro, canta em dois microfones em simultâneo, e não anuncia desgraça como amolador. Aqui a melancolia é alegria. Há melhor alegria que a saudade? Como chorar na recordação de um amor que será eterno? Das memórias só trazemos os bons momentos. Quando alguém afirmar com a convicção de um chaimite que o samba tem como base o fado, não duvide. Chuva é alegria. Mas deixemos Tatá falar, melhor contar, cantar – “Corro o risco e vou correr o risco”, “Acordei na estrada como um cigano”, “A noite se tornava uma devassa e me tornei num animal”, “Dance na ilusão que está tudo sobre controle, só queria uma agonia para passar meus dias”. Todos passamos por aqui. Agradecemos, brindamos com medronho na certeza que “a vida pode ser maior”. Isto é pauleira.

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