DIÁRIOS DO UMBIGO

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Fotografias: Tiago Mota.

Papel, tesoura e dobra. Exercício meticuloso. Respiração compassada. Papel, tesoura e dobra. Guardar na caixa. Empilhar as caixas. Memória ou pelo menos aquilo que se pretende reter. Resmas e resmas de recortes, de notícias mais ou menos dispersas. Arquivar. Os irmãos Collyer, Vivian Maier ou Hanta, personagem de Bohumil Hrabal, uma vida dedicaram. As partículas de um passado que se transportam. Carrega-se o peso do mundo, pelo menos parte dele. Tarefa a exigir tanto de minúcia como de destreza. Ao mínimo deslize e o presente, o presente que se quer reter, escapa-se. E no momento, neste exacto e preciso momento, o que de mais relevante e estimulante está a acontecer na música portuguesa dá pelo nome de Cave Story. Não o deixemos escapar. Nem o presente, nem a eles.

Atenção. A ascensão, desde trio de bateria, guitarra e baixo tem sido meteórica. Razões não faltam. Tanto no registo gravado, Spider Tracks o mais recente trabalho, como ao vivo – no Sabotage (em Fevereiro no âmbito das sessões W.A.S.T.E. Club), ao mítico Penicheiros (Barreiro), Transforma (Torres Vedras) e com futuras escalas em Bragança, Vila Real e Guarda. A 10 de Abril apresentam-se para mais uma noite Black Balloon (Lux) e em Julho no Milhões de Festa. Ufff. Estrada, muita estrada. E em stereo para acordar com pica logo pela manhã enquanto se ouve Richman na Radar. Voragem pura voragem. É adrenalina a saltar da espinha. É cometa a aproximar-se e só ter tempo para ligeira torção do pescoço.

CaveStory-4

Southern Hype, Buzzard Feed, Crystal Surf (2013) ou Helicopter Series, tema original de Sweel Maps, são guitarradas ora em redemoinho ora em lento vagar, a bateria e as vocalizações a acompanhar em tom melódico, quase sussurrado (Guess We Could Fell Better About Worse) ou em urgência existencialista como em Hair – “I want to live | I want to get out”. Reconhecemos as sonoridades, e eles mesmos as assumem como influência, de Velvet Underground, de Pavement, de The Felies e de The Fall. A apetência para apropriação é inata. Aqui é exercício espartano e inteligente. As camadas sonoras sobrepõem-se e acomodam-se para dar origem a um som facilmente identificável como marca identitária – lo-fi sem peneiras. Agarrar num cowbell ferrugento, apertá-lo à bateria e introduzir um pequeno apontamento, experimentar na garagem, chamar amigo para ocupar uma sala e fazer o vídeo. Um napperon, neste caso garantem que a Joana Vasconcelos não entra aqui, e colocá-lo em cima de uma televisão para acrescentar ar retro, convocar os dotes gráficos do Gonçalo (vocalista) e do Ricardo (baterista) e está feita uma capa para o CD. Do it yourself, seja por falta de dinheiro, seja pela urgência em fazer, porque este espírito não é apanágio da geração de moicano, nem muito menos do Ikea.

Como em Doukutsu Monogatari, designação japonesa do jogo Cave Story, enfrentemos humanoides, lebres e outros seres porque a estrada é campo aberto e o presente urgente.

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