MODA E BELEZA

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Fotografia: Cristóvão.

Há doze anos atrás, Filipe Faísca estava a completar uma década de paragem na sua actividade enquanto designer de moda. Retirou-se em 1993 e durante 14 anos fez figurinos para cinema e teatro, e foi responsável pela imagem das montras da Hermès e da Fashion Clinic.

Em 2006, regressou à ModaLisboa para o que tem sido um desfilar de colecções que primam pela sofisticação dos materiais escolhidos e pela forma delicada e rigorosa como são trabalhados. A colecção Outono/Inverno 2014/015, um flirt entre o sportswear e as silhuetas clássicas, foi o ponto de partida para um conversa sobre o passado, o presente e o futuro desejado.

“A minha maquete eram as bonecas, das bonecas passaram para as minhas irmãs, das minhas irmãs para os meus amigos e dos meus amigos para os meus clientes. Enquanto para uns eram os croquis, para mim eram as bonecas, porque eu preciso de mexer com as mãos, eu preciso da matéria. Parto da matéria para o desenho ”. É assim que Filipe Faísca descreve a sua ligação à roupa, desde a infância em África, passando pelo curso de técnicas têxteis na António Arroio e pelo curso de design de moda no IADE.

Neste último, diz que aprendeu um método de trabalho, desenvolveu o lado criativo no contacto directo com professores formados na Saint Martin's School, e assimilou a ideia de que os génios não existem, tudo é fruto de disciplina e trabalho. Foram estes alicerces que o ajudaram a apresentar a primeira colecção na ModaLisboa em '91 e, um ano depois, a abrir o seu atelier. No entanto, o contexto que se vivia nessa altura era muito diferente daquele para onde pretende caminhar agora. “Vivia-se um bocadinho por gosto, por emoção, e um bocadinho arrastados numa onda colectiva que nos impelia a fazer coisas, porque pensavamos se os outros faziam, nós também podíamos fazer. Mas com muita inconsciencia, muito pouco sentido do mercado – eu pelo menos, estou a falar de mim – pouca noção de negócio, de gestão financeira. Mas, nessa altura, era possível ir andando ao correr do tempo, era possível mantermo-nos vivos a boiar conforme a corrente”.

Actualmente, diz-se um pouco refém do trabalho de atelier e gostava de estar a trabalhar com e para a indústria. Ter uma maior capacidade de produção, explorar novas técnicas e materiais, a sua grande paixão. Não gosta de se queixar, mas não consegue evitar fazê-lo quando olha à volta e vê que o mundo da moda em Portugal continua fragmentado. “Não há uma instituição que entenda isto como um negócio e não como uma brincadeira, precisamos de uma intenção política a funcionar aqui de uma forma séria. Não é só o turismo, mas ligar a moda ao turismo, porque a moda é uma disciplina muito transversal. E ligar tudo o resto, os fotógrafos, os manequins, a indústria textil, está tudo muito disperso. Enquanto funcionar assim, com cada coisa para seu lado, não vamos chegar a lado nenhum”, afirma.

Nos vinte e três anos que separam a primeira colecção da última, ganhou consciência. Diz que não quer cometer os mesmos erros à procura de resultados diferentes e que prefere mudar de profissão a manter-se insatisfeito a vida toda. Foi precisamente essa insatisfação que o levou a abandonar tudo em '93 e encontrar no teatro o eterno retorno à infância em África, o ponto de partida do seu percurso criativo. “Quando era pequeno, vivi muito tempo sozinho, isolado no meu quarto, e o que me acompanhava era a matéria. Eram os cortinados do meu quarto, de que me lembro como se fosse hoje, a porta entreaberta e um som que vinha do exterior: o barulho dos empregados que trabalhavam para nós. O que aprendi nesse sofrimento e nessa solidão foi a linguagem dos objectos e ser hoje o tradutor da mensagem que a matéria tem”, diz.

Lida com os personagens de teatro da mesma forma que interage com as clientes do atelier. Aprendeu que a matéria deve sublinhar e não camuflar a energia de quem a usa. Num jogo de grande intimidade, vai percebendo quais são as inseguranças, o que se quer mostrar e esconder. As ideias da cliente traduzem-se para um texto que, tal como uma peça de teatro, tem indicações de cena, descrições da luz, outros personagens que a acompanham.

Um dos últimos desfiles na ModaLisboa viu chegar a primeira colecção de homem. Mais do que uma estratégia comercial (a continuação desta linha não é ainda uma certeza) foi uma necessidade emocional. “Acho muito benéfico a presença do homem e da mulher e fazê-los caminhar juntos como parceiros. A energia dos dois é muito precisa”.

Admite que não faz roupa de homem habitualmente, porque não tem um cliente masculino. Sempre que avança com algumas peças, estas acabam por ser vendidas a mulheres. “Cada vez mais quero que haja um único ser. As peças só divergem pelo tamanho, a não ser que estejamos a falar de peças de noite, de coisas muito específicas, mas aquilo que é o básico tanto dá para homem como para mulher”, explica.

Um dos pontos altos deste desfile, foi o casting dos manequins. Numa homenagem do meio aos seus intervenientes, pisaram a passerele nomes emblemáticos da moda portuguesa – dos mais conhecidos do público, como Sofia Aparício, até figuras familiares a quem trabalha nos bastidores, como é o caso de Mariama Barbosa, Luís Pereira e João Pombeiro. O último é também um dos protagonistas da primeira campanha publicitária realizada por Filipe Faísca com imagens inspiradas pela queda da manequim Flor durante o desfile. Sem se levar muito a sério, o objectivo é sartirizar um acontecimento que podia ter ficado marcado por uma energia negativa. “Não queria que a queda fosse recordada com O acontecimento do desfile. Queríamos transmutar aquilo para algo positivo”, explica.

Depois de ter parado durante uma estação, o designer voltou às colecções com a convicção de que tem que apostar cada vez mais na divulgação do seu trabalho. “Percebi o poder das redes sociais e o quanto se consegue comunicar para além da ModaLisboa. É muito importante, mas só não chega. Há todo um trabalho que tem que ser feito antes e imediatamente a seguir. Manter a curiosidade naquilo que se fez, manter a comunicação interessada”.

Do lado de cá da comunicação, ficámos com a certeza de que Filipe Faísca apresentou uma das melhores colecções dos últimos anos. Corente a nível de materiais e estética (com destaque para os prints, acabamentos e detalhes em pele das peças de seda, uma característa habitual do seu trabalho) conseguiu ao mesmo tempo introduzir silhuetas novas, mais casuais, que nos fazem esperar ansiosamente pela próxima colecção do designer que expressa a sua criatividade através das infinitas possibilidades da matéria.

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