Num determinado momento, talvez fosse no decorrer de mais uma qualquer afterparty à porta fechada, dei-me conta do seguinte: o que estas pessoas mais queriam mesmo, era ir para casa. Queriam a mamã. Tinham saudades de onde vinham, oriundas elas dos quatro cantos do mundo e, por mais forte que fosse a necessidade de estar aqui, de poderem criar em intensa liberdade total, de serem o centro das atenções, de finalmente serem aceites por alguém (“I AM WHAT I AM AND WHAT I AM, NEEDS NO EXCUSES”); e aceites por todos os outros à volta, que também cá estavam à procura de, quem sabe, reconhecimento (ou fama?). Vindicação ou vingança? – Sentiam-se vulneráveis, cansados, e um pouco perdidos.
Que outra explicação havia para que fossem tão queridos comigo?
Assim foi no caso dos dois irmãos gémeos italianos, fashion bloggers recém-chegados a Londres, esta metrópole igualmente fascinante e severa. A incerteza esmagadora de esta vida dançava nos olhos deles, mas esforçavam-se por manter a pose – blazer negro, look clean. O terrivelmente jovem e bonito Tiago com sotaque açoriano, ciberpunk pós-milenário, parecia aliviado por poder falar com alguém na sua própria língua sobre cozido à portuguesa. Os estilistas sérvios trabalhavam, maioritariamente, com outros sérvios. Nos bastidores parecia um filme de Emir Kusturica, todos ciganos, mas com o cantor dos Hercules & Love Affair e DJ electroputa Larry Tee a pavonear-se pelo meio.
Afinal, não sei nada da moda, mas sei muito sobre a solidão. Se calhar foi por isso, e só por isso, que vieram falar comigo.
Então como é possível que eu tenha sido convidado a participar no London Collections: Men, de Janeiro de 2015? Connections, darling, connections. Basicamente, um amigo foi stylist do vídeo de uma cantora pop e modelo com uma prótese. Se calhar já ouviram falar dela, porque este vídeo foi um autêntico fenómeno viral e até teve direito a cobertura na imprensa portuguesa, tal foi o impacto. Já foi apelidada de “a primeira popstar biónica”, mas um amigo menos simpático já a chamou de “Lady Gaga coxa”. Dá pelo nome de Viktoria Modesta, e já se gaba de uma biografia meio fictícia. A insegurança deve ser imensa, tipo olhar para dentro do abismo, porque raramente há segundas oportunidades nesta montanha russa das atenções fugazes. Leva-nos a John Galliano, que passou meia década no frio, até discretamente mostrar a sua primeira colecção para a Maison Margiela esta terça-feira passada.
Enfim, estes quatro dias foram maravilhosos mas, também, extremamente entediantes, pois esta gente não sabe nada de nada. São crianças, são máquinas de vender (sonhos), são simulacros de pessoas reais como tu, os que trabalham em bancos e hospitais, ou os que não têm trabalho. Sexta-feira à noite fomos convidados ao loft de um famoso casal de designers. Bom, tenho a impressão que, para eles, ter pessoas estranhas em casa tipo potenciais ladrões ou violadores acontece todos os dias; eu pessoalmente não o faria, nem as brindava com vodka corrente e substâncias ilícitas que nunca mais acabam (“Je suis Charlie” também, mas esta charlie já é outra, e da boa aliás). Assim sendo, no mínimo estava à espera de uma boa conversa. Esta gente tem que entender coisas do mundo que fogem a nós, meros mortais; a essência da chi por exemplo – mas só queriam falar de trivialidades como: Alexander Mcqueen era o melhor fashion designer de todos os tempos (OK, provavelmente), ou comentar o rabo de Kim Kardashian e, como se isso não bastasse, o retorno da Madonna.
E as roupas? Não sei nada da moda, e continuo a não saber. Talvez pensem que ser fashion designer não é um trabalho sério. Eles trabalham que nem cães, por isso não sejam assim, seus invejosos. O que fazem é um raio de luz na escuridão. Acho que nem eles entendem o que estão a fazer. Deve ser maravilhoso, saber adornar a terrível nudez da própria alma. É uma bela dança de beleza e suor simultâneos e em suspenso, sem pára-quedas. As roupas eram lindas, podem crer. De cortar a respiração. Já estou viciado. Em Fevereiro quero ir à London Fashion Week.
Notas de um Novato da Moda
O corpo é sintético, o corpo é sexy – www.bodybound.net
Beber à fonte de pureza cromática – fyodorgolan.co.uk
A moda como campo de batalha. A sedução da distopía – k-t-z.co.uk
“Sole love”. O calçado em andamento – www.diegovanassibara.com
Já vi o futuro. O futuro estará verde – craig-green.com
Dicas de insider e obsessões de moda masculina, observadas com quatro olhos – www.thosepieritwins.com