Encontra-se em exposição uma mostra do artista plástico José Pedro Croft sob a curadoria de Delfim Sardo sendo o resultado de uma parceria entre a Câmara de Lisboa e a Fundação Carmona e Costa, dividindo-se em dois espaços distintos, no Torreão da Cordoaria e na FCC.
Trata-se de dois momentos de uma proposta única, sendo uma visão de conjunto do seu trabalho, o mais significativo e completo desde a sua última retrospectiva antológica em 2002 no CCB. Grande parte de uma centena de obras apresentadas são inéditas ou nunca foram vistas em Portugal, constituindo uma oportunidade do público ter acesso ao seu trajecto criativo sobretudo dos últimos dois anos. Os dois suportes o papel (prática da gravura e do desenho) bem como a escultura são colocados em evidência, permitindo compreender as sucessivas articulações internas do seu percurso estético e artístico. As suas obras começam no papel, e só depois aparece a escultura (tendo estudado com João Cutileiro). Neste seu projecto, o escultor joga com a função dos dois espaços arquitectónicos de forma diferente, utilizando os trabalhos bi e tridimensionais. Existindo por isso uma relação estreita das suas peças e o local para onde foram instaladas numa evocação da memória do lugar e do corpo como medida dessa temporalidade. Portanto, as esculturas de chão, de parede, suspensas ou inclinadas encontram-se posicionadas no espaço e respiram livremente. Grande parte delas foram criadas após um estudo rigoroso do espaço envolvente, sobretudo no da Cordoaria em que a sua construção arquitectónica exigiu um maior cuidado relativo à sua receção dada a sua amplitude. O espaço da FCC funcionou como um contentor, enquanto que o da Cordoaria é mais do que um suporte, tendo sido activado pela conjugação entre os trabalhos e as relações espaciais, estabelecendo uma conexão estreita.
"Estou sempre a trabalhar na mesma peça, desde as primeiras esculturas, como se fosse o mesmo gesto"
Os suportes visuais transformam-se em objectos híbridos, uns mais reconhecíveis do que outros, numa estreita ligação e num diálogo rico entre os materiais resistentes e os mais frágeis, utilizando fragmentos de elementos já usados que foram funcionais, desgastados pelo tempo, com marcas vividas de presença humana, como mesas; cadeiras e portas que surgem desordenadamente fora da sua função.
O escultor agarra as memórias de pessoas que desconhece. Quando os retira do contexto inicial obriga o espectador a olhar para uma peça que está desenquadrada. Esses objectos ao serem inúteis ganharam uma liberdade que antes não tinham. Tudo o que não tem função é mais livre, essa é também a beleza da poesia. Quanto à participação do espectador, este ocupa uma maior activação com a introdução do espelho, onde o campo virtual foi entrando na escultura, surgindo uma nova dimensão num tempo cinematográfico, onde o usufruidor passou a partilhar na narrativa dos volumes projetados por Croft.
Existe uma maior compleição numa partilha com a vivência do público entrando no espaço cénico escultórico. O autor fixa uma parte inacabada que é de seguida completada pelo espectador, trazendo-lhe uma nova percepção. Torna-se visível esse aspecto quando se sobe a escadaria da Cordoaria e deparamo-nos com uma estrutura de parede espelhada onde surge a nossa presença física na exposição através de um corpo de uma forma virtual. Passamos momentaneamente a fazer parte da escultura. A introdução da cor nas suas peças torna-se determinante, tendo estudado pintura na Ex-.Esbal.
Nas composições de desenho e gravura é realçada a importância do traçado das linhas assinaladas no espaço pictural de uma forma sábia. No desenho, interessa-lhe ir à estrutura mais simples, à génese de expressão mais elementar, existindo o registo da mão a passar sobre o papel, o gesto já trás a sua presença humana. Na gravura a preocupação centra-se no múltiplo, é uma condição contemporânea, surgem a partir de um processo de rasura, sendo os trabalhos antigos retomados. "Interessa-me o trocar e viver em diferentes tempos". A escultura surge de forma estrutural a partir de processos elementares que remetem para o arquétipo, indo trabalhar a configuração retangular de forma paralelepipédica; sendo uma das referências da origem da escultura; regressando à tradição tumular. A caixa é um contentor que ajuda a organizar o mundo, simboliza a criação de uma separação do exterior e interior. Na sua linha de trabalho verifica-se um vaivém permanente num diálogo entre o passado e o presente.
A exposição pode ser vista na Fundação Carmona e Costa até ao dia 11 de Janeiro e este Sábado, 22 de Novembro, às 17h irá haver uma conversa entre o curador João Silvério e o artista José Pedro Croft, nas instalações da fundação.
Edifício Soeiro Pereira Gomes
Rua Soeiro Pereira Gomes, Lote 1- 6.º, Lisboa.