Estamos em Telemark, região com nome alienígena mas mais ligação à terra do que muitos lugares do sul. Neste condado norueguês feito de lagos, vales e mar gelado no Inverno, cresce a vinha mais setentrional do planeta: Lerkekåsa. O título é disputado pelos países do Norte com alguma ferocidade, com a Dinamarca, a Suécia e a Lituânia a entrarem frequentemente na competição. Mas a latitude parece apontar-nos a verdade.
Foi aqui que Joar e Wenche, casados e enamorados, começaram a brincar às uvas pela primeira vez, antes de chegarem aos 60 anos. No terreno onde antes cresciam um pomar e legumes variados – a região de Telemark apregoa ter os melhores sumos de maçã do mundo –, enxertaram, misturaram espécies, experimentaram. E abriram um negócio de turismo rural com quatro pontos que se equilibram junto ao lago Norsjø: o vinho, a sauna, uma galeria de arte e programação cultural contínua. A 20 de Setembro, por exemplo, inauguram uma exposição com fotografias de Tom Flesche e Tina Tobiassen e peças em cerâmica de Gerd Danbolt Svalastog.
A melhor época para visitar a quinta é no fim do Verão, “quando as vinhas estão no seu melhor”, assenta Joar Saettem. Neste hectar e meio de terra, o casal norueguês oferece comida biológica e néctar dos deuses aos hóspedes (devido ao conceito do projecto e às restrições legais na comercialização de vinho na Noruega, onde a entidade estatal Vinmonopolet monopoliza o negócio dos vinhos e licores, os produtos de Lerkekåsa não são vendidos), acabando por sugerir visitas em volta apontando o dedo no mapa.
Telemark é a região da Noruega com mais dias de sol por ano e fica num vale abrigado por montanhas que protegem do vento as videiras de Lerkekåsa (que significa “cotovia” em norueguês). Os longos dias de Verão, com quase 20 horas de sol, permitem às videiras produzir amido suficiente para que os frutos nasçam doces e vigorosos. Para os visitantes, por sua vez, sobram muitas alternativas nos moldes do turismo de natureza (www.telemarkskanalen.no), com as práticas do ciclismo, remo e pedestrianismo a demarcarem-se como os fortes da região.
Da longa exposição solar e do saber do geólogo Joar, juntamente com a dedicação da sua esposa Wenche, Lerkekåsa começou a ver nascer vinhos de aroma frutado, acidez equilibrada, pouca graduação alcoólica e easy going, caracterizam os proprietários, que têm preferido as uvas viti vinifera e híbridas para o clima norueguês. Explicam que, “tanto na Europa, como nos Estados Unidos e no Canadá, estão a ser desenvolvidas novas espécies de uvas resistentes à geada e, paradoxalmente, o aquecimento global está a beneficiar as vinhas mais a Norte”. “Por isso, tentamos”, simplifica Joar Saettem.
Mas quando os pés pisam terroir norueguês, há que diferenciar “vinho de uva” dos restantes. Em Lerkekåsa, também se produzem vinhos de maçã, morango, mirtilo e outros frutos silvestres, que resultam em “sabores muito exóticos”.
A cultura de vinhos na Noruega e noutros países nórdicos está a desenvolver-se à velocidade da luz. Neste mercado, Portugal ocupa o oitavo lugar na exportação para aquele país, com 300 mil litros comercializados em 2012. Segundo dados da OCDE, registou-se um aumento de 53% do consumo de vinho na Noruega desde os anos 1960 até aos dias de hoje.