BANDA DESENHADA

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Fotografias: Joana Pires.

5. Pele Negra Azul

Talvez seja exagero meu escrever que é preciso ir ao FOFF / “Fuck Off” para receber propostas mais radicais, na realidade, no olho do furacão, está o stand da editora belga 5éme Couche na tenda do “Novo Mundo” com mais uma provocação este ano!

Depois de Ilan Manouach terem feito um álbum do Petzi em que o apagaram da BD, depois de três autores masculinos desta casa editorial terem criado uma falsa autora de BD autobiográfica e publicado um livro “dela”, à qual a imprensa achou a Judith Forest como o cume da sinceridade em BD; depois de Ilan Manoauch ter substituído todas as cabeças de animais no Maus (de Art Spiegelman) por cabeças de gatos no livro Katz (justamente no ano em que Spiegelman era o Presidente do Festival Angoulême) em que resultou na destruição física dos exemplares do livro, após um processo legal a lembrar o que aconteceu a John Oswald e aos Negativland nos anos 90 – leiam o livro Metakatz sobre este caso e tudo o que levanta, desde a criação artística ao uso de imagens e propriedade intelectual até sobre a INDÚStria do papel.

Depois disto tudo eis que aparece este ano, o álbum Les Schtroumpfs Noirs na mesa do 5éme Couche! Uma edição que reproduz na integra o álbum Os Strumpfes Negros mas todo impresso a azul!!!

Originalmente editado em 1959 pela Dupuis, esta BD mete os pequenos homens azuis com um problema a lembrar uma praga de zombies, ou seja, o Strumpfe que for mordido por um Strumpfe negro (que foi picado por uma mosca negra marada qualquer), fica também negro, a saltitar, a gritar “gnap gnap gnap” feito um selvagem. Foi uma BD que foi considerada racista, sobretudo nos EUA, chegando a ter, por aquelas bandas, uma versão em que o negro foi substituído pelo roxo. Com esta “nova” versão pirateada, que o editor Xavier Löwenthal afirma publicamente que não sabe como surgiu – no Libération afirma que um rapaz da empresa da DHL chegou lá ao stand e entregou-lhes uma caixa cheia destes livros azuis – mas dizia, com esta nova versão acaba o racismo!!! Porque todos os Strumpfes , azuis ou negros, estão impressos a azul!

Mais extremo ainda é que todo o álbum original foi “rapinado”, ou seja, não há depósito legal ou ISBN a acusar quem o fez, o nome da editora original (um gigante do mercado da BD que detêm o Spirou, por exemplo) está impresso na capa. Mais, o álbum original é constituído por três aventuras dos Strumpfes (“O Strumpfe voador” e “O ladrão de Strumpfes”) que também são reproduzidas no “álbum azul”. A única coisa (fora esse hilariante azul omnipresente) que “falha” é uma página (a página 54) que não foi impressa. Será isto uma forma de proteger contra alguma acção legal? Do tipo “não reproduzimos o álbum original totalmente porque falta a página 54”? Não sei / não respondo. Mas uma coisa é certa, estamos todos à espera de mais um escândalo de “direitos de autor” para breve.

Estas tácticas situacionistas da 5éme Couche têm sido de uma graça extrema e para breve haverá mais desenvolvimentos quando o projecto DUST começar a funcionar. Estejam atentos!

Estranho também foi o aparecimento durante os dias do Festival do Walt Thisney, músico “underground” que andou a tirar fotografias acompanhado por figuras da BD “underground” internacional como a malta da Chili Com Carne, Mattias Elftorp ou do Petit Comitë del Terror!

Mas o que me fez mais estranheza foi a Galerie Glénat! Angoulême como aliás todas as cidades europeias vive a crise económica com dezenas de lojas abandonadas, para alugar ou vender, mais uma vítima do capitalismo e das grandes marcas que se instalaram num centro comercial subterrâneo no centro da cidade. A Glénat para quem não sabe é uma grande editora de BD e que detêm (mais) um império que até inclui duas lojas de BD e uma galeria em Paris. Na Rua de Hergé, instalaram-se com uma galeria temporária para cobrir os dias do Festival. Quando passei por lá foi mesmo uma surpresa porque este espaço não estava anunciado oficialmente. Tinha lá dentro alguns originais de Druillet e mais alguns autores que não me recordo em exposição e venda, além de alguns livros e claro, uma mesa para os autógrafos.

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Mais acima dessa rua também se instalou temporariamente uma loja de segunda mão para livros de BD e discos em vinil – uma iniciativa local talvez ou um lojista de fora que teve a brilhante ideia? É curioso, que estas duas lojas temporárias usem a mesma táctica “guerrilha” (ou na lógica Zona Autónoma Temporária, idealizada por Hakim Bey) tal como um “Fuck Off”, ou o Tenderete em Valencia ou a Laica e a Morta em Lisboa. As semelhanças estão à vista: um grupo de malucos alugam um espaço por meia-dúzia de dias para fazer exposições, mesas de editores e concertos ou festas. Basta substituir “grupo de malucos” por “homens de negócios”... Sinceramente fiquei chocado com esta capacidade do capitalismo conseguir mimetizar todas as ideias que a cultura alternativa consegue inventar – já devia ter idade para o saber mas aconteceu, peço desculpa, pelo desabafo. Só falta a FNAC começar a organizar “feiras de edição independente”, que soa a ironia mas acho que estamos cada vez mais próximos disso acontecer…

Para finalizar esta parte, o livro dos Strumpfes lembra-me duas coisas, que se o conceito do “cadáver-esquisito” demorou 30 anos a chegar à BD então só agora é que o “ready made” chegou à BD – demorou 100 anos! Ainda assim num país como a França não é por haver um mega-festival de cromos da BD que se pode falar que a BD tem presença pública ou institucional. Nos últimos 10 anos, revistas de Arte como a Beaux Arts Magazine ou este ano a Arts Magazine tem dedicado números especiais à BD. Esta última que Pedro Moura no blogue Ler BD tão bem desmontou, propõe analisar os diálogos entre a banda desenhada e as práticas artísticas contemporâneas, mas como se espera, sendo uma revista necessariamente de artigos generalistas, espraia-se por toda uma espécie de vertentes diversificadas que podem criar a ilusão de esgotarem as dimensões a discutir, mas jamais entram em questão mais aprofundadas ou de verdadeiro ensaio, na plena acepção da palavra.

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Claro que não deixa de ser isso mesmo, uma revista cheia de curiosidades sobre as ligações entre BD e Arte. Tendo ainda só lido “muito por alto”, não deixa de ser curioso que o nível de referências na revista há muito que deixou ser as “clássicas” da BD, que um público, como o por exemplo, o português ainda pensa quando falamos de BD – os patos semi-nus, os gajos com super-poderes e cuecas à mostra, jornalistas com cadelas, etc… Um público que acede a textos sobre a dupla Ruppert & Mulot não é mesmo como o que lê a lista “non-sense” publicada no jornal I a 11 de Fevereiro. Mau jornalismo? Ignorância? Um misto dos dois? Pouco importa, os resultados são fáceis de comparar...

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