BANDA DESENHADA

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Fotografias: Joana Pires.

4. Tripas coração

Para fechar a referência ao FOFF, havia também uma exposição do norte-americano Mike Diana, autor polémico que já escrevi na Umbigo quando ele visitou Lisboa em 2008. Cortesia da galeria Divus (Praga / Berlim / Londres) que editou o livro America : Live / Die (2012), um raisonné das suas BDs e pinturas, foi uma boa oportunidade para rever pranchas escatológicas do primeiro autor ocidental a ser proibido a desenhar!

Voltando ao oficial, houve três exposições de tirar o folego, que podemos considerar as “principais” ou as mais importantes deste ano. No Hotel Saint Simon, houve uma exposição de Willem, autor holandês que reside desde 1968 em França e que foi o Presidente do Festival deste ano. Mais conhecido por cartunista ou de autor de BD humorista, com uma carreira de 50 anos, muitos esquecem-se que Willem foi um Provo (movimento de situacionistas holandeses) e “espião” na Charlie Mensuel – fabulosa revista de BD que existiu entre 1969 a 1981 e que continua a ser imbatível ao nível de Design gráfico. Foi com alguma emoção que pude ver algumas maquetas da revista nesta exposição. De resto, o humor político de Willem tanto pode meter quatro freiras a masturbarem-se cada uma com uma ponta de uma cruz com Jesus cruxificado (para questionar a monogamia) como pode desenhar um jogo da glória em que temos de sobreviver aos genocídios do século XX. Em Portugal podem ver os seus cartoons numa boa edição da Assirio & Alvim, De mal a pior (2011) no âmbito da sua exposição no Cartoon Xira 2010, e as suas BDs chocantes na inexplicável edição Paz no mundo (Inquérito; 2003) – inexplicável pelo isolamento e descontextualizado meio bibliográfico português e pela horrível capa!!!

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Não sei que contributo Willem deu ao festival mas trouxe uma pandilha de autores holandeses – como o Marcel Ruijters, autor de Inferno (MMMNNNRRRG; 2012) – para fazerem cartazes humorísticos impressos em serigrafia que eram colados na cidade, e posteriormente arrancados pelas pessoas… Um presentinho “à la” Provo?

Na Nave Moebius, duas exposições dedicadas à 1ª Guerra Mundial, uma de Jacques Tardi e outra de Gus Bofa (1883-1968). Bofa em Portugal é um desconhecido, que me lembro, só vi algo dele uma vez, em 2007 na exposição Cinema em Cartaz – Colecção Internacional de Cartazes dos Primórdios do Cinema na Cordoaria Nacional. Mas também foi esquecido em França, apesar de ser admirado e referido como influência para autores como Blutch, Nicolas de Crécy e Tardi. Recuperado agora com uma biografia editada pela Cornélius, foi escrita por Emmanuel Pollaud-Dulian que também foi o comissário desta exposição intitulada L’adieu aux armes, que reunia vários tipos de peças sobre o autor. Poderá agora haver um novo público a reparar como ele era um grafista soberbo! Bofa esteve na Primeira Guerra mobilizado como soldado de Infantaria. Da frente de guerra veio gravemente aleijado, considerado inválido em 65% pelo Exército, e fará catarse da sua experiência e o retrato das misérias dos soldados sobreviventes, em livros literários como em BDs publicadas em revistas. Pergunto se o seu esquecimento não será uma censura do sistema para quem ousou colocar o dedo na ferida? Há 100 anos atrás, era crime desmoralizar os tarados dos militares e a lógica da guerra…

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O ódio de Tardi à Guerra é conhecida, e ainda mais o seu desprezo pelo Estado – o Homem (sim com “H” maiúsculo!) recusou, o ano passado, o galardão da Legião de Honra, o mais alto reconhecimento que pode ser atribuído pelo estado francês, para "continuar a ser um homem livre". Para quem já leu Varlot Soldado (Polvo; 2001) já o devia o tema recorrente da Primeira Guerra na sua obra, apesar de ser um trabalho menor face a C'était la guerre des tranchées (Casterman; 1993), álbum dedicado ao seu avô que combateu nesta guerra. Graças a esse álbum que percebi que a Primeira Guerra terá sido a mais bárbara de todas, uma vez que misturou os aspectos de guerra clássica (soldados frente a frente, conquista pelo terreno, cavalaria, baionetas) com as novas tecnologias de guerra moderna: gás e químicos, meios aéreos (balões, aviões), tanques e outros veículos motorizados, artilharia pesada,… Essa selvageria já denunciada por Tardi voltou recentemente com os dois álbuns Putain de Guerre! (Casterman; 2008-09) em parceria com Jean-Pierre Verney. Foi sobretudo esta obra que se pode ver mais nos 600m2 da exposição, Tardi et la Grande Guerre, embora houvesse também originais das outras obras acima mencionadas e algumas ilustrações para um livro que acompanha um disco da cantora Dominique Grange, sua mulher.

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A BD actual vive um gracioso momento, livre de espartilhos e de censura, e tem mostrado em imagens de uma forma física e material (em livro!), ao contrário da fluidez das fotografias na internet ou documentários no cinema, uma galeria de terrores que o século XX foi pródigo como o holocausto nazi (com Maus de Art Spiegelman, obra que também esteve patente na Nave Moebius há dois anos), Hiroxima (Hadashi no Gen de Keiji Nakazawa) ou a Guerra da Bósnia (Safe Area Gorazde de Joe Sacco). Se a BD anda sempre às turras entre a imagem e o texto, nestes relatos das desgraças da Humanidade, não poderia ser mais eficiente, os bons textos (ou até bom jornalismo no caso de Sacco) são acompanhados por imagens chocantes que não podem ser apagadas com uma mudança de canal televisivo ou de página de jornal que irá para o lixo em pouco tempo. Infelizmente as imagens continuarão lá, impressas num suporte eterno chamado livro, prontas a serem revistas (e relidas!) para não nos esquecermos do que somos vítimas nas mãos dos idiotas que elegemos.

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Veremos se as comemorações do Centenário da 1ª GM transformarão uma das maiores desgraças da Humanidade num “show” de consumo leve e institucionalzeco depois de Tardi e Bofa! Se o fizerem Tardi tem toda a razão para não aceitar medalhas…

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