A Cor do Sonho era o Dourado.
Escancararam-se as portas do século XXI. Estatelaram-se as torres gémeas em Nova Iorque a onze de Setembro de dois mil e um. Um começo trôpego com medo, paranóia, incerteza. Era necessário um escape à tensão acumulada, uma nova autoconfiança mesmo que disfarçada com maquilhagem, com pose, era preciso dançar pois o final da última década do século XX era já regido por algum cinzentismo. O jungle e o drum’n’bass eram hip hop acelerado e com graves, o trip hop era hip hop desacelerado, era então preciso algo novo neste pós tudo e os indícios estavam lá subterraneamente, até que a válvula rebentou em algo não inteiramente novo mas num instante de grito existencialista, no electroclash.
Sexo, drogas e electroclash foram o programa hedonista que atingiu o auge em 2002 e passado pouco tempo esfumou-se efémero na velocidade típica deste pós tudo, mas enquanto durou foi intenso como a explosão punk original. Tal como aquele, o electroclash teve a atitude certa perante uma era de estupidificação glorificada de big brothers e respondeu na mesma moeda com ironia, humor negro, excesso, plástico.
Foi subversivo. Esse espírito dos tempos, embora actual, foi revivalista pois repescou o final da década de setenta e a década de oitenta, trazendo de volta os cintos e as pulseiras de bicos, os robôzinhos, os crachás e pins, as lacas e os cabelos afectados, as luzes de discoteca, as vozes alteradas com vocoder, e assim travestizado dançou- -se ao som de batidas de electrónica sintética por vezes apunkalhada juntando na mesma pista a geração MP3 e a geração do maxi-single ou doze polegadas. E voltou a ouvir-se o electro original, o synth pop, a new wave, o punk e o pós punk, o new romantic, descomplexadamente para muitos e saudosamente para outros.
Em Nova Iorque, no início da década de oitenta, o electro original era o primo do hip hop. Era com o electro que melhor se dançava breakdance. Era aquele som da primitiva tecnologia audio, daquele encontro de Kraftwerk com o funk em Planet Rock, de Afrika Bambaataa, de Arthur Baker a produzir a banda sonora do Beat Street e os New Order, do Rockit de Herbie Hancock, do filme Tron nos cinemas, dos ZX Spectrum. Tudo apontava para o futuro e ninguém imaginaria que décadas mais tarde, com a queda das torres, esse futuro seria posto em causa. Uns vinte anos mais tarde, um mês depois de as torres serem atingidas por aviões controlados por terroristas realiza-se em Nova Iorque o Electro-Clash Festival, com as actuações de Fisherspooner, Peaches, Chicks On Speed, Adult. e Crossover, idealizado por Larry Tee, também ele DJ e produtor.
Mas uma das características deste movimento é a diversidade, e além de Nova Iorque a cena aparece em Berlim, Munique, Detroit...Várias nacionalidades, como canadianos, alemães, americanos, ingleses...com tantas mulheres envolvidas como homens, com heterossexuais, tutti-frutis e vários sub-géneros, uns mais electrónicos, outros um pouco rock, outros ainda meio cabaret...em concertos, eventos de moda, pistas de dança ou hapennings artísticos. Por vezes tudo acontecia ao mesmo tempo como se fosse uma festa dadá da primeira década do século XX. Não à toa, uma das bandas recuperadas dos oitentas chamava-se Cabaret Voltaire (nome do local onde originalmente se reuniam os dadás), com a sua música Nag Nag Nag retrabalhada por DJ Tiga. Era tudo muito arty como muitas outras bandas do pós punk e muito pop como as que chegavam aos tops. Imensas bandas e sons recuperados que inspiraram uma legião de nomes como Felix the Housecat, Miss Kittin, Ladytron, DMX Krew, I-F, Jeans Team, FC Kahuna, A.R.E. Weapons, DJ Hell, Mount Sims, Gonzales, Ellen Allien, Golden Boy, Dopplereffekt, etc, etc.
Assim como foi no punk, uns aproveitaram a moda para se promoverem e outros descobriram que não era preciso ter grande virtuosidade musical para fazer uma banda. Assim como no punk, mas a cena era pop. E o pop precisa de hits para se alimentar. A sua fome foi temporariamente saciada com Life on MTV ou Frank Sinatra de Miss Kittin & The Hacker, I Wanna be your Dog de Dakar & Grinser, Emerge dos Fischerspooner, Fuck The Pain Away, de Peaches e We don’t play Guitar dela com as Chicks on Speed, ou Sunglasses After Dark de Tiga & Zyntherius, Seventeen dos Ladytron, ou Silver Screen de Felix Da Housecat, e editoras como a International Deejay Gigolos (pertença de um pioneiro DJ Hell), Kitty Yo, City Rockers ou Bpitch Control lançavam a fornada, mas não foi o suficiente para saciar a fome do pop por muito tempo. Os hits não foram mundiais e ficaram num semi-underground. Apesar disso, nomes do mainstream como Madonna ou Goldfrapp mostraram interesse e logo de seguida - mas quase ao mesmo tempo - estéticas e sons paralelos emergem como cogumelos. Exemplo: as bandas da DFA. E o rock clássico bateria-baixo-guitarra estava a voltar.
Nem as canções mais curtas do que no house ou no techno conseguiram conquistar maiores audiências e tiveram que engolir em seco as afirmações de elementos destes géneros e de críticos que acusavam o electroclash de falsidade e mau gosto, apelidando-o maldosamente de electrocash. Talvez inveja, talvez lucidez.
Em 2007 fez cinco anos desde o auge do electroclash. O que sobrou?
Sobrou algo para além da explosiva mistura de glamour, decadência, futurismo e sexo que funcionou como banda sonora para um novo mundo confuso onde todos podem ser terroristas. Sobraram projectos que ainda resistem mas agora ainda mais underground, apenas para alguns aficcionados. Sobraram as saudades de quem viveu esses tempos sem pensar no amanhã e dançou nas festas de novo divertidas e com gente excêntrica como não se via desde há muito tempo. Sobrou o som revivalista dos oitentas que ainda está na moda. Sobraram as músicas genuinas dos oitentas que continuam a tocar nas rádios apesar do constante apetite do pop por novidade. E sobrou aquela sensação sempre que se ouve o primeiro álbum da Miss Kittin, a rainha da ironia, de uma memória de pista...de carrinhos de choque.