FOTOGRAFIA

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15 Anos: Chelsea Hotel transformou-se num livro de culto. Por este mítico hotel já passou um vasto número de personalidades, escritores, músicos, actores, artistas. Foi através da vivência da fotógrafa Rita Barros, com vizinhos excêntricos, que resultou este manancial de imagens de pessoas sui generis, camas vermelhas, paredes azuis, quadros pop, esculturas de pano, festas loucas.

Actualmente a fotógrafa apresenta-nos A Presença da Ausência. Fotografias que retratam o banal, os objectos do quotidiano que transparecem toda uma história que lhes está associada. Ambos os projectos são narrativas que se passam no mesmo local, o Chelsea Hotel, mas desta vez a fotógrafa revela-nos a intimidade do seu apartamento através dos objectos com os quais convive diariamente.

O que é que a atraiu em fotografar objectos do quotidiano?

É mais uma vez uma ligação ao hotel que é o meu apartamento, o meu espaço. É um apartamento em que as paredes têm uma memória muito forte. Eu estou a olhar para aquela chávena de café e ela tem uma história. Passa quase por um auto-retrato. São momentos interiores em minha casa com um forte lado intimista. Por exemplo, quando se faz uma fotografia de publicidade tira-se toda a memória, esta não é importante. Estas fotografias são exactamente o contrário, é o encontrar a memória de cada objecto que tem um passado e uma história.

Nestas imagens as cores fortes e garridas são uma presença dominante. O que é que a apaixona na cor?

Eu acho que a cor facilmente transmite sentimentos. O amarelo é uma cor quente ao passo que o azul é uma cor fria, é toda uma série de emoções que podem transparecer.

O seu livro 15 Anos: Chelsea Hotel acabou por se tornar num livro de culto.

Quando iniciei este projecto não estava à espera de tanto sucesso. Mas de facto existem vários factores que se tornaram marcantes e um deles é o facto de não existirem livros sobre este mítico hotel. Por outro lado marcou uma transição porque eu fotografei uma geração muito importante e o livro representa-a, uma geração que hoje em dia já está extinta. Nesses 15 anos houve uma série de personagens que foram importantes a nível da contra-cultura americana e que já desapareceram como Virgil Thompson, Gregory Corso, entre outros. Digamos que o livro marca uma viragem.

Qual a sensação de estar no quarto onde Arthur C.Clarke escreveu 2001 Odisseia no Espaço?

(risos) Não sei, nunca pensei muito nisso, mas é óbvio que há sempre a sensação de estar num espaço onde se passou qualquer coisa de extraordinário. Há algo que fica, mas é mais no inconsciente. No entanto, há uma situação mais insólita em toda esta história, é que Arthur C. Clarke antes de ir para o Chelsea viveu num hotel no Sri Lanka, e antes de eu vir para o Chelsea fiquei nesse mesmo hotel e no mesmo quarto. Aí já há qualquer coisa de especial. Há uma série de coincidências.

Como é que define o ambiente do hotel?

É um ambiente um bocadinho familiar, apesar de haver muita privacidade. Entretanto há uns que aparecem e dizem «olha, vens à festa de hoje à noite», e por aí fora. As pessoas são muito criativas e há uma espécie de interactividade e ajuda entre as várias artes.

Encenava as fotografias de alguma forma?

Não, geralmente o que eu pedia às pessoas era para estarem à vontade, com a roupa e maquilhagem que quisessem. Escolhia apenas o sítio e o ângulo. Não encenei nada, o que está é o que é, e é isso que eu gosto, é que de facto as pessoas são assim. Todas elas têm a ver com o seu quarto e há uma coerência muito grande na sua criatividade.

Mais uma vez um trabalho intimista...

Sim. Há uma foto em que Larry Rivers e Arnold Weinstein estão a escrever o livro e uma outra com eles a fazerem a leitura do mesmo depois de pronto. Isso demonstra o espaço de tempo que passou. É esse lado mais intimista que eu gosto, de conhecer as pessoas, de estar com elas. Também fotografei o compositor americano Virgil Thompson que já morreu... E esse lado passa a ser histórico, as pessoas já não existem, mas houve um momento em que estiveram lá. Acabou por apanhar os anos 80, uma altura muito louca e os anos 90 em que tudo está diferente e muito mais caro. Sem querer fazer história, acabei por fazê-la. Acabei por fazer o meu projecto pessoal sem me ter apercebido disso.

Era mesmo essa a sua ideia, fotografar as pessoas no seu meio. Houve alguém que se recusasse a fazê-lo?

Sim, algumas pessoas, incluindo a Patti Smith, pedi-lhe se podia fotografá-la e ela disse que não. Podia tê-la fotografado sem que ela se apercebesse, mas isso não me interessava e não o fiz. Para este projecto era a cooperação que me interessava.

Todos os quartos têm uma decoração pessoal, e o seu?

O meu quarto passou por vários períodos. O prateado, em que até o telefone era prateado depois passou à fase vermelha, em que tinha pedaços de parede pintados de vermelho e várias peças na mesma cor, o azul caraíba. Agora tem uma mistura dos vários estilos e mantive o telefone prateado.

Hoje em dia acha que o Chelsea continua a ser o local de culto underground que sempre foi?

Acho que não, Nova Iorque está muito mudada porque é tudo muito caro, e não é o dinheiro que faz funcionar o underground. Mas o que eu gosto no hotel é o lado de viver lá como se fosse uma cidadezinha. Há o lado da privacidade e o lado da família enorme, é o “pronto, cheguei a casa”, que é muito simpático.

O seu projecto Um Ano Depois simbolizou o início de uma nova era. O inaceitável momento da queda das torres gémeas. Foi a sua forma de lidar com toda a situação?

Sim. É outra narrativa. Eu estava lá e a minha vivência foi muito marcante. O projecto começa com a fotografia da vista da minha janela para as torres com algum fumo. Depois saí de casa e fotografei o desmoronar da torre sul. Quando cheguei a casa as torres já não existiam e fotografei a cidade pós-onze de Setembro. As pessoas entraram em pânico porque viviam em Manhattan, e começaram a pensar que para sair dali teria que ser através de uma ponte e acabaram por começar a mudar--se. Por outro lado houve um momento muito bonito de entre ajuda e esse momento foi fantástico. Como a eleição de Obama. Foi absolutamente mágico. Havia muita coisa em jogo, as pessoas já estavam saturadas e foi um pouco o explodir dessa tensão. É o constatar que a mudança é possível. Houve um momento de união total. O 11 de Setembro foi a viragem do séc XXI para outra coisa e a eleição de Obama é uma outra viragem para outra coisa.

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