E se o Mundo Fosse uma Brincadeira?
O design como um grande jogo é o princípio fundador do posicionamento e das propostas de Big-Game, colectivo de criadores formado em 2004 no decurso da sua formação na ECAL (École Cantonale d’Art de Lausanne). Constituído por Augustin Scott de Martinville, Grégoire Jeanmonod e Elric Petit, o grupo inicial integrava também Adrien Rovero, actualmente designer industrial. Quando percorremos as várias colecções apresentadas desde 2005, encontramos como denominadores comuns uma singular ironia, uma dose de sarcasmo e uma nota desconcertante que conduzem à dúvida e à subversão dos conceitos.
A leitura do design enquanto jogo pode ser extensível a todo o mundo real, sobretudo se pensarmos na proposta Post Office | Fill Me Up (2007), pronta a ser descarregada em cada computador e a ser um vírus na nossa produtividade. Em total antagonismo com os princípios do capitalismo avançado, nomeadamente o da máxima eficácia e rentabilidade, Big-Game incita-nos a fazer perder o nosso tempo. Em Check-List é sugerida uma série de acções que, quando desempenhadas, nos fazem perder algum tempo (ou estaremos realmente a falar de um ganho?), sem levantar qualquer suspeita de o estarmos a fazer. Entre as várias acções enumeradas, inclui-se «levante-se e, em silêncio, conte até 10» ou «muito cuidadosamente, dobre uma folha em dois e cole um post-it a dizer “reconfirmado”». Com Phone Call passamos a ter um jogo para falar ao telefone com uma lista de 24 palavras (candeeiro, bebida, fax, encontro, gigante, grande, etc.). O desafio é tentar integrá-las no nosso diálogo com o interlocutor, procurando alcançar a maior pontuação possível. De uma forma simples, directa, divertida e sarcástica, todas as propostas de Big-Game discutem e revêem conceitos.
Em Plus is More, colecção apresentada na Feira de Milão em 2007, retomam a máxima modernista Less is More para a problematizar, com malícia e sentido crítico. Recordemo-nos que desde que Mies van der Rohe adopta como sua esta expressão que sintetiza todo o conceito da simplicidade funcionalista, o século XX discutiu-a para se rever nela ou para a criticar, opôr ou superar. Se o Pós-modernismo contrapõe a máxima Less is Bore, mais recentemente o colectivo Droog Design defende a ideia Less + More, como uma síntese entre a tese e antítese anteriores. Big-Game reconhece a validade de Less is More, mas considera que a única possibilidade de actualizar este princípio se encontra na ideia de uma soma ou distensão, muito por via das novas técnicas e materiais disponíveis. É isso que o colectivo protagoniza, nomeadamente quando retoma a imagem da cadeira de aço tubular para propor Bold Chair cujas formas, estilizadamente simples (quase gráficas), são revestidas por poliuretano garantindo um maior conforto, ou quando desenha um cabide de pé através do simples cruzamento de duas varas de madeira, para encostar à parede.
Plus is More
Este espírito está já presente na primeira colecção, Heritage in Progress (2005), com a qual o colectivo repensa as definições de património e progresso, propondo uma nova relação para estes conceitos, normalmente entendidos como antagónicos. Integra esta colecção uma das propostas mais famosas deste colectivo, as cabeças de alce, corça ou veado em contraplacado de madeira, facilmente construídas através de um simples sistema de encaixe. Propondo uma alternativa para os tradicionais troféus de caça, historicamente exibidos nas salas e corredores de palácios e casas senhoriais, a proposta faz-nos reflectir sobre as nossas referências culturais e o património civilizacional, através da lente do humor e do non sense. Poderá o património ser mesmo comprado e construído por cada um de nós? Literalmente, é isso que acontece quando compramos o kit de peças e as montamos em casa. Com esta proposta, moderniza-se uma tradição, fazendo-o através de cabeças de animais falsos, não caçados. Toda a colecção acaba por evocar um certo gosto burguês, colocando-o em confronto com as exigências da vida contemporânea. Esta evocação burguesa existe tanto nos referidos troféus como nos vários cavaletes em madeira laminada, formalmente semelhantes aos pés das mesas Régence (tendência entre os estilos Luis XIV e Luis XV), ou nos cabides individuais com o perfil de uma silhueta do séc.XVIII. Contudo, todas estas peças são concebidas a partir de materiais simples e destinam-se à produção em série. Segundo Denis Laurent (historiador de design industrial), a questão central levantada com esta colecção é o modo como podemos integrar as referências culturais do passado na cultura “zapping” actual.
A discussão e revisão de conceitos inclui também as noções de jóia, valor e riqueza. Em 2006, este colectivo desenha para a empresa Suiça +41 a colecção de jóias New Rich e, uma vez mais, fazem-no com uma ironia subtil e uma extrema eficácia. Alguns dos objectos industriais mais conhecidos, verdadeiros ícones do design, passam a incorporar elementos em ouro, marca cultural de distinção e riqueza, em substituição do plástico. A banalidade associa-se ao luxo e o resultado não deixa de nos surpreender. Entre as várias peças, encontra-se a democrática caneta BIC, mas com uma tampa em ouro, o clássico e intemporal relógio Swatch, mas com uma presilha em ouro ou os fashionable auscultadores Apple também com um elemento neste metal precioso. Todos ganham o estatuto de objecto raro, de peça única, de jóia. Mais interessante é que esta proposta chama-nos a atenção para o valor e o significado atribuídos socialmente a estes objectos, antes mesmo de serem alvo desta transformação. Ou seja, eles são já, na sociedade actual, um sinal distintivo de um determinado status social ou cultural. Simultaneamente, repensamos o valor dos objectos, a noção de acessório e o significado de riqueza.
Esta ligação entre dados normalmente encarados como incompatíveis enforma também a colecção Pack, Sweet Pack (2006). Inspirados nas embalagens industriais, reinventam o ambiente doméstico, redesenhando várias peças de mobiliário. De repente, um tapete assume a forma de uma embalagem de cartão desmontada, as estruturas que protegem as molduras ou pinturas assumem-se como um espelho, uma embalagem de tetra-pack monumentaliza-se para dar a forma a um sofá e várias caixas, de diferentes dimensões, passam a ser móveis de assento, quando construídas em metal, e já não no efémero cartão. A força deste último trabalho radica na forma como é explorada a natureza banal, efémera e utilitária das embalagens, às quais normalmente não se atribui qualquer valor comercial ou afectivo. Nelas são reconhecidas qualidades formais e funcionais, levando mais uma vez a um debate sobre o valor e a beleza dos mais simples objectos. Olhando para este trabalho e relembrando as palavras do próprio colectivo, compreendemos o entendimento do design como um jogo.
A unir todas estas propostas do colectivo Big-Game está uma observação analítica de conceitos seleccionados para uma posterior (re)contextualização, sempre através de uma linguagem simples, irónica e lúdica. Reside exactamente aí todo o poder subversivo de cada peça, uma vez que de uma forma quase imediata nos deparamos a reflectir sobre conceitos tão importantes e diversos como património, herança cultural, riqueza, produtividade, imagem ou tempo. O resultado é um conjunto de objectos que trazem a discussão a sua carga simbólica e o seu significado cultural.