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Como silenciar o canto dos pássaros, de Paulo Lisboa

Em Como silenciar o canto dos pássaros, Paulo Lisboa aprofunda a sua investigação sobre os limites da percepção visual, da ação da luz sobre a matéria que se revela como substância do tempo.

Sobre a flanela fotodegradada, incide esse gesto intangível que ilumina e consome a superfície. Usura de luz.

Em diversas obras anteriores, o artista operava com carvão sobre superfícies, como o papel, o alumínio ou o vidro, criando atmosferas onde a presença do espectador e a incidência da luz alteravam constantemente a perceção da imagem.

Nesta exposição, a mudança funda-se no processo. A imagem já não depende da matéria que se adiciona sobre a superfície, mas da sua ausência. Ao invés de um corpo humano enquanto ser demiúrgico, a matéria fotossensível é queimada lentamente pelo próprio corpo da luz, da sua ação contínua. As formas que emergem – drapeados, ondulações, manchas, zonas de densidade irregular – remetem para mantos, halos ou corpos que se dissipam.

Ao fundo, uma imagem destaca-se das restantes, apresentando uma faixa vertical que funciona como veículo que condensa a fonte de origem da usura, pois a luz que nutre é também agente de destruição.

Num eclipse total, ao incidirmos o olhar sobre o chão à sombra de uma árvore folhosa, vemos pequenos halos que recortam as formas em pequenas curvas em forma de lua crescente. Depois, a luz começa a baixar a intensidade até à suspensão atmosférica crepuscular. Nos ramos das árvores, ou nos seus ninhos, os pássaros suspendem o canto. O exercício de silêncio acompanha a noite e o sono, mas revela-se também sob ameaça, no nascer de uma tempestade, na aproximação de um animal predador, no recolhimento da chuva, numa erupção vulcânica, num incêndio florestal, ou ainda, sob o gesto da morte, enquanto silêncio infinito na tessitura do tempo.

Nas obras de Paulo Lisboa, este silêncio expressa-se no lugar operativo das imagens – dispositivos de suspensão – que articulam ambos morte e sonho, canto em suspenso e mudez infinita.

A exposição está patente na galeria Bruno Múrias até dia 17 de maio.

Margarida Alves (Lisboa, 1983). Artista, doutoranda em Belas Artes (FBAUL). Investigadora bolseira pela Universidade de Lisboa. Licenciada em Escultura (FBAUL, 2012), mestre em Arte e Ciência do Vidro (FCTUNL & FBAUL, 2015), licenciada em Engenharia Civil (FCTUNL, 2005). É artista residente no colectivo Atelier Concorde. Colabora com artistas nacionais e estrangeiros. A sua obra tem um carácter interdisciplinar e incide sobre temas associados à origem, alteridade, construções históricas, científicas e filosóficas da realidade.

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