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Landscape: view and panorama, na Fundação PLMJ

Para Andrew Sayer, um geógrafo renomado, a paisagem divide-se em duas áreas distintas. Por um lado, é definida por um conjunto de propriedades físicas, por outro, um conjunto de indicadores culturais. [1]

Sayer, referia que, na geografia, não contava apenas a veracidade das investigações científicas. Os melhores geógrafos, como von Humboldt, admitiam também, o interesse, na sua prática, nas particularidades estéticas da paisagem. [2]

A paisagem, o conceito de paisagem, ou ainda a paisagem enquanto cultura, não é mais do que uma construção, uma porção retirada, uma selecção feita pelo observador, que desfruta da paisagem, ou que a acolhe, para os mais variados fins e funções.

Um excerto de Kant, sobre a natureza, poderá ajudar a clarificar o conceito, ou a definição de paisagem:

Aquele que contempla solitariamente (e sem intenção de comunicar a outros as suas observações) a figura bela de uma flor selvagem, de um pássaro, de um inseto, etc., para admirá-los, amá-los, sem querer privar-se deles na natureza geral, mesmo que isso lhe implicasse algum dano e, muito menos, se distinguisse nisso uma vantagem para ele, toma o interesse imediato e na verdade intelectual pela beleza da natureza. [3]

Kant, através do exemplo de flores e pássaros artificiais, afirma a ideia de natureza geral, e indivisível. Na ausência de natureza[4], alguém poderá utilizar esses elementos como efeitos decorativos completos para mostrar a alguém[5], mas anula-se assim o pensamento reflexivo de que “a natureza produziu aquela beleza”[6]. Anula-se, também, a ideia de continuum, de imensidão, de completude, atribuída à natureza.

George Simmel, segundo Adriana Serrão, falava da incongruência[7] que existia na ideia de paisagem enquanto “ pedaço de natureza”[8].

A natureza é, por definição, “a totalidade espacial que opera num fluxo temporal contínuo[9].

Segundo Serrão, ver uma paisagem obriga, em retorno, a uma certa delimitação e a uma certa estabilidade, que coloca a paisagem numa dupla contradição: a indivisibilidade espacial e a continuidade temporal da all-comprehensive Nature (All Natur) [10].

Simmel, na sua Filosofia da Paisagem, descreve os mecanismos espirituais que conduzem à construção da paisagem:

Tudo o que precisamos é que um certo conteúdo do campo de visão cative o nosso espírito. Mas aí estabelece-se um paradoxo: um pedaço de natureza é, em si, uma contradição interna; a natureza não tem pedaços, é a unidade, no seu todo. Assim que algo é removido da sua totalidade, já não é natureza, precisamente porque só pode ser natureza dentro dessa unidade ilimitada. [11]

A exposição Landscape: view and panorama, com curadoria de João Silvério, convoca-nos para a apreciação de várias paisagens, e suas segmentações e incompletudes. O espaço, em si, um edifício de qualidades panorâmicas, oferece uma vista altiva sobre a cidade de Lisboa. Estabelece-se, desse modo, a relação de exterioridade e interioridade presente na exposição à qual o visitante não pode ficar indiferente.

As obras selecionadas compreendem diversas disciplinas: da pintura à fotografia, do vídeo ao desenho, e à escultura. E oferecem-nos vários pontos de vista, e abordagens sobre o tema da paisagem.

A paisagem contemporânea é ela mesmo uma fratura, encontramos uma descontinuidade, uma rutura com a natureza. As fotografias de Tito Mouraz integram a paisagem enquanto lugar que o homem habita e constrói. Uma ideia de arquitetura, de ocupação humana.

Albano Silva Pereira, habituou-nos a belas paisagens onde as montanhas e os planaltos surgem envoltos em leves neblinas e suaves tons.

As fotografias coloridas de Mauro Pinto, C’est pas facile, 2018, convocam o visitante a leituras perceptivas, mais demoradas sobre as imagens. Também Oliveira oferece-nos paisagens bucólicas e brumosas, onde há lugar para os sonhos, para a fantasia e para a evocação mágica.

A efabulação é continuada pela peça fotográfica Sem título, 2003, de João Tabarra. Numa paisagem natural, encontram-se fadas brancas em fatos fantasia, e o próprio artista surge integrado numa moldura de ramos contorcidos de árvores.

O Nazareno, 2007, de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, compreende o compromisso com os temas tão caros como a tradição, o fascismo, a identidade nacional, e o antigo regime. Traineiras calçadas numa paisagem de mar e histórias de ironia. Um postal turístico colorido que, apesar do mar ao fundo, poderá evocar as mulheres que esperam os seus homens desaparecidos?

A exposição compreende uma seleção cuidadosa de obras de extrema qualidade, pertencentes a um grupo de artistas portugueses de grande relevo: Albano Silva Pereira, André Cepeda, Carlos Correia, Daniel Blaufuks, Daniel V. Melin, Daniel Malhão, Délio Jasse, Eurico Lino do Vale, Gil Heitor Cortesão, Inez Teixeira, Isabel Simões, Isabel Madureira Andrade, Jéssica Gaspar, João Grama, João Penalva, João Tabarra, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, Margarida Gouveia, Mariana Gomes, Maria Oliveira, Manuel Botelho, Mauro Pinto, Pedro Vaz, Rita Barros, Susanne Themlitz, Tito Mouraz.

Landscape: view and panorama está patente na Fundação PLMJ até 30 de maio.

 

 

[1] Bourassa, S. C. (1991). The aesthetics of landscape. Belhaven Press. pág. 2

[2] Ibidem

[3] 7 Kant, I. (2017). Crítica da Faculdade de Juízo. Imprensa Nacional Casa da Moeda. 303-4. pág. 216

[4] Serrão, A. V. (2022). Landscape as a World Conception. Philosophy of Landscape, Think, Walk, Act. Edição de Adriana Veríssimo Serrão e Moirika Reker. Edições Humus, pág. 30

[5] Segundo Immanuel Kant, 7 Kant, I. (2017). Crítica da Faculdade de Juízo. Imprensa Nacional Casa da Moeda.303-4. Pág. 313

[6] Ibidem

[7] Segundo Adriana V. Serrão, pág. 30

[8] Ibidem

[9] Ibidem

[10] Ibidem

[11] Simmel, G. (1996). A FILOSOFIA DA PAISAGEM. REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS – POLÍTICA & Amp; TRABALHO, 12, 15– 24. Disponível em https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6380

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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