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Munich Jewellery Week, a tradição que não para de crescer

Todos os anos, em março, a comunidade internacional de joalharia artística converge em Munique para a respeitada Munich Jewellery Week. Em cada edição, aumenta o número de visitantes e de mostras. Este ano, foram organizadas cerca de cem exposições de peças contemporâneas por toda a cidade.

Os eventos independentes, concebidos de modo autónomo, ocuparam diferentes locais — desde pequenas lojas e uma estação de metro até museus e galerias dispersos pela capital da Baviera. Esta iniciativa, estimada pelos entendidos, cresceu de forma espontânea em torno da exposição SCHMUCK, que decorre anualmente na International Crafts Fair. Em 2015, a revista Current Obsession atribuiu-lhe um nome oficial e começou a criar mapas e a identidade visual da Munich Jewellery Week.

Em Munique, as peças de joalharia surgem de todas as formas possíveis: dentro de mochilas com uma montra, expostas no corpo dos visitantes ou instaladas numa carrinha. A viatura expositiva “Schmuck on Wheels” estaciona em cada inauguração relevante, tornando-se quase inevitável vislumbrar as peças. Munique possibilita que muitos autores exibam os seus trabalhos a um público numeroso. Os adornos estão por toda a parte, o que pode até tornar-se extenuante. É curioso notar que os moradores locais desconhecem que a cidade é ocupada por aficionados deste universo e que tal se sucede há 66 anos.

Tudo começou com a SCHMUCK, inaugurada em 1959 por Herbert Hofman, reconhecida como a mais antiga mostra de joalharia artística do planeta. Nos primeiros tempos, surgiam apenas algumas exposições paralelas. A SCHMUCK permanece como o coração da Munich Jewellery Week. Este ano, candidataram-se mais de 800 artistas à seleção da SCHMUCK, mas apenas 60 obtiveram aprovação. Entre estes esteve Tereza Seabra, com um colar em couro e ouro chamado Oruborus, que evoca uma serpente verde.

Além da SCHMUCK, o pavilhão da Messe recebeu stands das mais reputadas galerias de joalharia a nível internacional. Alguns criadores portugueses marcaram presença. A Galeria Platina, de Estocolmo, apresentou Shelter, de Catarina Silva, abordando a crise de habitação e de sem-abrigo em Lisboa. Silva concebeu habitações imaginárias usando tecido de tendas, moldadas em latas de atum, latas de tomate, bananas e laranjas. A Galeria Marzee, de Amsterdão, exibiu obras de Pedro Sequeira, produzidas em madeira. O artista também desenha e pinta, tendo apresentado uma exposição individual na Marzee no ano anterior.

O stand da Art Jewellery Forum e da editora Arnoldsche acolheu diversas palestras, entre elas uma conduzida pela artista e curadora portuguesa Patrícia Domingues, em conjunto com Mònica Gaspar, sobre a exposição Madrugada, criada para a Bienal de Joalharia Contemporânea de Lisboa. Houve ainda uma intervenção de Marta Costa Reis, artista lusa e presidente da PIN (Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea), intitulada Complicit. Gaspar e Costa Reis apresentaram igualmente o catálogo da mostra Madrugada na Handwerk Gallery, onde foi lançada a J. Collection de Tereza Seabra.

Nesta edição, a Munich Jewellery Week centrou-se nos criadores de Aotearoa (Nova Zelândia), destacando-se a exposição individual de Warwick Freeman Hook, Hand, Heart, Star, no Museu de Design Pinakothek Moderne. Em cada edição do festival, um joalheiro reconhecido é convidado a exibir toda a sua trajetória nesta sala, para dar a conhecer aos recém-chegados a obra dos pioneiros.

Warwick Freeman começou a produzir joias em 1972. As suas criações apresentam formas e sinais distintivos, resultantes de materiais encontrados em Aotearoa. Ao longo da carreira, o artista tem revisitado os mesmos símbolos, arranjados de forma a sugerirem substantivos e enunciados. A exposição parecia transplantar o solo neozelandês para a Alemanha. A abertura iniciou-se com cânticos e alocuções maori. Como é costume na Alemanha, os discursos prolongaram-se por quase uma hora, e o vinho só apareceu no final. A Pinakothek encheu-se de habitantes do universo joalheiro, com praticamente todos presentes.

As inaugurações em Munique não se limitaram à de Warwick Freeman nem às centradas na Nova Zelândia. Durante quatro dias, vários espaços foram surgindo em cada jornada. Na quinta, 13 de março, realizou-se a abertura de The Praxis of Care, que reuniu múltiplos autores, entre eles a portuguesa Joana Albuquerque Sousa. As suas esculturas, intituladas de Imperceptible, inspiraram-se num grupo de trabalhadoras domésticas durante a ditadura portuguesa que tentou abolir a própria profissão. Segundo Sousa no folheto da mostra, “o simples exercício de ponderar o fim da subcontratação de serviços de limpeza obriga-nos a repensar a estrutura e prioridades da sociedade atual.”

Na mesma noite, a conceituada Helen Britton apresentou Evolutionary Oddities – Creatures in a Changing World na galeria Kunzt 66. Os seus trabalhos, criados com metais preciosos, vidro, pedras e outros materiais recolhidos pela artista,  retratam frequentemente criaturas selvagens, reforçando o alerta sobre a perda de biodiversidade.

A Munich Jewellery Week tanto apresenta trabalhos de mestres consagrados como de artistas emergentes. As exposições independentes não têm qualquer controlo de qualidade formal, podendo participar qualquer pessoa que consiga garantir um espaço e pagar a taxa de mapeamento do festival. Não existe uma curadoria global do evento. A maioria dos expositores desloca-se a Munique, onde as montagens são feitas num curto espaço de tempo e com materiais acessíveis. Por vezes, bastam apenas mesas brancas para expor as obras.

O visitante pode sentir-se tanto maravilhado quanto frustrado com as propostas. Identificar as exibições mais apelativas, entre tantas, exige pesquisa prévia, sentido de orientação e conselhos fiáveis. Quem comparece pela primeira vez pode facilmente perder-se. A panóplia de sensações é vasta e o festival integra também palestras, lançamentos de publicações, workshops para criação de pins, festas com dança e troca de pins, concertos punk e experimentais organizados por joalheiros, bem como encontros em cervejarias tradicionais.

O encerramento acontece todos os anos com uma intervenção na Pinakothek. Em 2025, subiu ao palco a artista Caroline Broadhead, cujas obras foram finalistas do LOEWE Craft Prize. Foi um fim tranquilo para estes dias intensos em Munique. A próxima Munich Jewellery Week está agendada para 4 a 8 de março de 2026.

 

Com o apoio da PIN – Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea.

Kaia Ansip é uma artista de joalharia da Estónia que, ocasionalmente, também escreve. Estudou joalharia e ferraria na Academia de Artes da Estónia e concluiu o mestrado em 2022. A sua dissertação final foi sobre os devastadores incêndios florestais em Pédrogão Grande, onde vive e trabalha. O seu trabalho e o seu coração estão com a terra. Ansip também estudou Filosofia na Universidade de Tartu. Em 2024, recebeu o prémio Bergesio por escrever sobre joalharia.

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