Quão pesada é uma cidade? – Trienal de Arquitetura de Lisboa
A arquitetura tem-se provado um campo disciplinar que vai para além da construção, fazendo recurso das suas ferramentas conceptuais, sociais, tecnológicas e políticas para analisar fenómenos mais ou menos evidentes, mais ou menos impercetíveis. Da história local aos recentemente formulados hiperobjetos, a arquitetura tem vindo a cimentar uma prática mais próxima da academia e do pensamento retórico, do que da matéria, sublinhando a elasticidade e abrangência de uma formação cada vez mais exigente e pluridisciplinar.
Quão pesada é uma cidade? – How heavy is a city? –, o mote lançado para a sétima edição da Trienal de Arquitetura de Lisboa, reforça essa tendência e convoca para a discussão filósofos, cientistas, artistas, ativistas e, naturalmente, arquitetos, para investigarem os contextos gerais e particulares de uma cidade, propondo, sempre que possível, formas de futuro.
Toda uma parafernália de dados informa uma cidade. Espectros que deambulam de lugar em lugar, entre emissores e recetores, bancos de rua e bancos de dados: informações de trânsito, infraestruturas várias, câmaras de segurança, redes cibernéticas e sem-fios, estatísticas sobre a poluição, o ruído, as malhas invisíveis do crime, cronogramas dos fluxos, do progresso e da História. As imagens que uma cidade gera extravasam o campo ótico e sensorial humano. A computação de dados, a tecnologia dos satélites e os registos da espectralidade infravermelha ou ultravioleta são capazes de compor diagramas e conteúdos imagéticos imediatos e cada vez mais acessíveis. Deste modo, estamos diante de novas paisagens, que fazem da análise gráfica e científica objetos não só de especulação, mas também de deslumbramento e contemplação. São, portanto, imagens que reconfiguram a conceção de realidade e adicionam novas iterações éticas, estéticas e estésicas à leitura de um determinado campo ou de uma determinada experiência.
Na sétima edição da Trienal, a revisão espaço-tempo da cidade – esse continuum em perpétua transformação e construção – fica a cargo do coletivo fundado por Ann-Sofi Rönnskog e John Palmesino, Territorial Agency, cuja missão investiga as transformações territoriais trazidas pelo Antropoceno e pelas Alterações Climáticas. Já não estamos perante décadas ou séculos de análise – estamos, sim, perante uma era imensa, marcada por acontecimentos que deixaram traços – e feridas – nas cidades e nos territórios, com dossiês documentais que se sucedem infinitamente, continuamente, e carecem de síntese e tratamento.
Nesta perspetiva, o debate sobre o peso da tecnoesfera parece inevitável, com uma massa já comparável à da bioesfera. Como se pode tornar mais leve todo este manancial infraestrutural, que cresce exponencialmente, a cada dia, à medida que as exigências tecnológicas se intensificam? Como assegurar uma eficiência energética, que evite a produção de resíduos perenes e nocivos para a vida planetária? Que novas forças de poder surgem com a proliferação de novas tecnologias e meios digitais? Que outras formas de coexistência e coabitação podem ser possíveis, num conflito interespécies cada vez mais violento? Como responder às ameaças dos ecossistemas, que se volatilizam e extinguem com o aumento das temperaturas? E, finalmente, recorrendo agora ao conceito basilar da proposta lançada pelos curadores, que novas “coligações” de agentes políticos e científicos podem tomar as rédeas deste debate, assegurando a devida e correta gestão da coisa pública e das instituições democráticas?
A estas e a muitas outras perguntas elencadas no programa gizado pelos curadores vão responder especialistas e pensadores, entre os quais Anne McClintock (interseccionalidade, estudos de género e racialidade), Veronica Liebl (Ars Electronica), Emanuele Coccia (ecologia e filosofia), Lucia Pietroiusti (Ecologies at Serpentine), Pablo Peréz-Ramos (arquitetura paisagista), Mónica Bello (Arts at CERN), etc. Nesta perspetiva, os convidados formam essa coligação transitória e pensante, que traz para a discussão casos de estudo com impacto profundo no modo de administrar territórios e instituições, úteis para o exame da contemporaneidade.
Repartida em três grandes núcleos expositivos – Fluxes, Spectres e Lighter –, a Trienal renova a importância, respetivamente, da mensurabilidade e das questões técnicas que informam os projetos arquitetónicos, da captação remota de dados científicos e morfológicos, e da construção responsável, que recorra a uma materialidade capaz de compensar e mitigar o aumento populacional até 2050. A considerar, também, os Projetos Independentes selecionados, dentro de um universo de 76 candidaturas provenientes dos diversos cantos do mundo.
A parceria com a plataforma e-flux e o programa de conversas Talk, Talk, Talk (com a curadoria de Filipa Ramos) servem de respaldo científico para toda a proposta curatorial, com um elenco de participações provenientes das várias esferas do saber – da filosofia à nanotecnologia, dos novos materialismos à engenharia. Soft Futures de Laura Tripaldi, publicado em Intensification (título para a parceria entre a Trienal e a e-flux), constitui uma interessante reflexão epistemológica, ontológica e fenomenológica sobre a vida humana e a nanotecnologia, já não como entidades separadas, mas como partes intrínsecas de um mesmo organismo. Uma legião de biorrobôs e xenorrobôs é convocada para mapear o desenvolvimento tecnológico e especular sobre uma futuridade plena de otimismo, descartando e desconstruindo cismas entre Natureza, Cultura e Humanidade.
A Trienal de Arquitetura de Lisboa está agendada para o Outono de 2025, com os dias de abertura a 2, 3 e 4 de outubro. Talk, Talk, Talk decorre de 29 a 31 de outubro.
Paralelamente, a Trienal vai atribuir ainda o Prémio Début (destacando um dos 20 ateliês selecionados para a shortlist) o Prémio Universidades (dentro de um universo de 35 projetos a concurso) e o Prémio Carreia. Álvaro Siza é responsável pelo desenho do troféu.
A programação e os itinerários expositivos podem ser consultados aqui.