For Every Last Thing, de Catarina Dias
No texto que acompanha a sua mais recente exposição, no Rialto 6, Catarina Dias introduz-nos ao seu excesso. Diz-nos que não é particularmente articulada, pelo que poderemos encontrar – entre as obras que pontuam o espaço da galeria – becos sem saída, incongruências e relações impossíveis. Não entrámos ainda na exposição e antevemos já a sort of inconsistency, como se lê posteriormente numa das suas peças. Mas se, numa primeira instância, este texto parece anunciar um universo visual heteróclito, For Every Last Thing apresenta um trabalho formalmente coerente, assente numa exploração ininterrupta da superfície, dos seus limites formais e criativos.
A artista parece interessada num mapeamento dos elementos e texturas que habitam o seu imaginário. Trata-se de quebrar as fronteiras entre materiais distintos e de reportar, através de um extenso trabalho de composição, os efeitos dessa coexistência. Por isso, o conjunto de obras que encontramos nesta exposição é inusitado. No piso superior da galeria, vemos Through us, uma série de esculturas metálicas dispostas pelo chão – pequenos corpos dobrados e contorcidos sobre si próprios, amolecidos pelo calor emanado de To breath an empty space. Em contraste com o peso destes corpos, surge Untitled, uma peça de tecido suspensa, como um cortinado colocado sobre a janela da galeria. A vista para a Rua do Conde Redondo é trocada por uma vegetação densa e pela espuma da ondulação marítima que se deixa entrever. Estaremos, afinal, num território perto dos Trópicos? Se esta peça nos remete para um lugar remoto, Only e Yet, produzidas em grafite e acrílico sobre papel, parecem evocar as texturas do espaço urbano, o graffiti e os escritos que marcam a sua superfície. Há um sentimento de desorientação iminente, uma impossibilidade de costurar os tempos e lugares distantes que aqui se apresentam.
Nas restantes paredes da galeria, vemos uma série de trabalhos em impressão giclée que revelam imagens igualmente inconclusivas: fragmentadas, justapostas e confinadas ao plano de uma superfície bidimensional. Reúnem-se vestígios de qualquer coisa que não podemos conhecer por inteiro. As escamas de uma cobra. Uma tatuagem sobre a pele e umas calças de ganga com um cinto preto de cabedal. Um corpo nu, deitado sobre um lençol amarelo. Uma explosão e um cenário semelhante ao de uma ficção científica, com luzes brancas e paredes estéreis. As imagens parecem encadear-se, mas encetam uma narrativa que quase sempre cai por terra. Há rasgões, cortes, manchas de tinta que se espraiam de modo líquido sobre o papel, impedindo-nos de ver por detrás. E, uma vez mais, destaca-se uma alienação – uma sensação de não pertencer, de estar perante fragmentos que parecem não encaixar.
Depois, acrescenta-se ainda a palavra. Às superfícies fragmentadas são sobrepostos pequenos versos que exploram a relação entre a palavra e a imagem, o legível e o indecifrável: Without saying the imposibilty of it / Extracting from a resistant object. Será a palavra uma legenda, uma pista que nos permite construir uma narrativa em torno destes fragmentos? Permanece um desejo de assimilar a estranheza, capturando-a no interior de uma ordem discursiva. Mas estes corpos de texto parecem, acima de tudo, refletir a impossibilidade de extrair sentido de um objeto resistente ao próprio projeto interpretativo. A exposição, que inicialmente descrevia um trabalho formal em torno da superfície dos objetos, refere-se, agora, a uma desorientação inata, uma reação adversa dos objetos à nossa tentativa de decifração. Afinal, It all lies heavily on the surface [tudo fica muito pela superfície]. Estamos, pois, condenados à superfície e à impossibilidade de conhecer. E há uma liberdade que daqui advém – uma liberdade que nos torna estrangeiros ao mesmo tempo que nos permite acolher o enigma, o caos e a inconsistência.
A exposição está patente no Rialto 6 até dia 18 de abril.