El Lenguage de las cosas mudas, no Museo de Arte Contemporánea de Vigo
Como uma caminhada ou um livro que vamos folheando, numa história que se constrói a cada passagem, percorremos as diversas salas que, como momentos, compõem a exposição El Lenguage de las cosas mudas, de Susanne S.D. Themlitz (1968), em exibição no Museo de Arte Contemporánea de Vigo (MARCO). Entre esculturas em gesso, vidro ou cerâmica; instalações; pinturas; desenhos; textos e fotografias, mergulhamos em momentos de suspensão, confrontamo-nos com questões de escala e perspetiva e refletimos sobre noções de ausência e presença num corpo de trabalho cuja transdisciplinaridade sobressai na importância atribuída aos materiais e técnicas sem esquecer a relação com o espaço expositivo.
Ao entrarmos na primeira sala dedicada à mostra, uma sensação de acolhimento invade-nos, potenciada pela instalação Dentro. Suspenso, 2024, que, numa fusão com o espaço arquitetónico que a recebe, impele-nos ao seu encontro. Grandiosa e poética, a instalação visual e sonora construída com canas de bambu, estende-se infinitamente pelo espaço -do chão ao tecto – ocupando-o como uma paisagem, emergindo-nos numa experiência performativa e intimista através da qual desvendamos camadas que se intercetam dentro de uma lógica de sobreposições reais e metafóricas.
Percorremos fisicamente a instalação, integrando-a numa experiência contemplativa e sensorial. As texturas, os cheiros e os sons à nossa passagem, ocupam e preenchem a sala numa fusão e diálogo entre exterior/interior, numa relação de intimidade entre o visitante, a natureza e o tempo que ultrapassa a contemporaneidade. Qual jogo geométrico, arquitetónico e de equilíbrio, a disposição horizontal e vertical das canas de bambu cria um desenho tridimensional no espaço, que está também presente – como fantasmagoria – nas sombras que se projetam ao longo das paredes, denotando a presença da ausência. Acompanhados por um som semelhante ao de sinos, que elementos suspensos criam ao embaterem contra objetos de vidro com a ajuda do vento, observamos os diferentes elementos que integram a estrutura de bambu – incluindo folhas de eucalipto da Galiza- e que, uma vez pendurados, nos remetem para a ideia de tempo em suspensão. A partir do nosso corpo e sentidos atravessamos a instalação, medimo-nos a nós mesmos e ao espaço, integramos a paisagem onde, segundo a artista, podemos mergulhar em termos de memória, em termos físicos e estarmos também em suspensão.
A importância que o espectador assume no trabalho de Susanne Themlitz, permitindo-lhe traçar um percurso físico e tornando-o parte da escultura, assim como o apelo imediato aos sentidos acompanha-nos ao longo da mostra, em obras cuja análise e observação atentas pedem um caminhar lento e desperto. Quais objetos descobertos numa expedição arqueológica, contemplamos, num segundo momento, diferentes artefactos objetuais, artísticos e híbridos cujo caráter intimista, proporcionado pela cenografia, acentua um ambiente de estudo e de arquivo. Em mesas – provenientes das reservas do museu – que se estendem por quase toda a sala longitudinal, a instalação Transformatório (Laboratório de desenho), 1986-2024, revela um gabinete de curiosidades, objetos e materiais que, coletados e manipulados pela artista ao longo de mais de trinta anos, compõem o seu arquivo pessoal.
Corais, pedras, fósseis, peças de cerâmica encontradas e transformadas; moldagens em gesso e barro; conchas vazias; máquinas de criar imagens (lupas, espelhos, cristais, objetos de vidro esféricos, côncavos ou convexos); postais de Vigo; musgos, entre outros elementos, emergem-nos num universo macro e microscópico que convoca a experiência do olhar e do tempo. De destacar nas mesas-paisagem os trabalhos que, assemelhando-se a corais, foram concebidos em gesso líquido pela artista que os colocou em areia para solidificarem num determinado momento – originando formas e desenhos fora do seu controle – a que Themlitz designa de congelação, numa reflexão sobre o antes e o depois que associamos à ideia de suspensão da primeira instalação. A propósito da presença de lupas, estas servem para analisar o interior das pequenas obras permitindo maneiras diferentes de ver as coisas, revelando mundos escondidos, assim como os cristais que possibilitam a inversão de imagens, numa exploração de perspetivas, escalas e medidas que interessam à artista. Conceitos de presença e ausência são também analisados na instalação através de recortes em papéis A4, assim como o caráter transformatório do próprio laboratório de desenho que, fazendo jus ao seu nome, está em constante mutação e crescimento com a incorporação de peças realizadas por crianças e adultos nos ateliers do serviço educativo do Museu. Sentimentos de impermanência, de transformação e transmutação que se estendem às obras pictóricas que pontuam o espaço, nas quais se revelam fragmentos de paisagens, a linha e a tinta – que, em algum momento, se solidifica.
Numa oscilação entre passado e presente, entre o cruzamento de momentos e temporalidades diferentes que nos conduzem a processos de desocultação e descobertas constantes, o grandioso díptico Reflexo do Lugar ao Lado, 2021, revela configurações de uma paisagem inspirada no jardim botânico do Palácio da Cerca em Almada. Qual viagem a um lugar, Themlitz oferece-nos instâncias do jardim que reimagina e reinterpreta num reflexo que acumula diferentes elementos. Momentos de congelamento, de suspensão e de recordações que se materializam em manchas de cor, linhas e imagens fantasmagóricas que evocam a água, as nuvens, o céu, as árvores e o vento espelhados na superfície. Num diálogo interessante com a pintura, duas pequenas peças em terracota exibem-se numa estrutura elevada pré-existente, aproveitando a configuração arquitetónica do espaço, potenciando uma leitura e visão horizontal sobre a mesmas.
Prosseguimos viagem pelo universo e paisagens da artista até uma sala que, banhada por luz natural, surge povoada por criaturas e presenças extraordinárias – peças escultóricas permeadas de reminiscências humanas, zoomorfas e fantasmagóricas – em diálogo com duas pinturas Ma (2022) e Ponto de Vista. Silêncio. Escuro (2017). Seres híbridos, antropomórficos que se materializam em pequenas esculturas e outras de tamanho natural (próximas da escala do espectador) cujos corpos, compostos por materiais diversos, estão cobertos com roupas. Circulamos entre o real, o imaginado e o simbólico, numa relação do nosso corpo com esculturas de diferentes escalas que, evocando uma dimensão fantástica e onírica, nos transportam – num momento de suspensão temporal – para o universo da mitologia, da ficção científica e das histórias infantis.
Na sala seguinte, a instalação O silêncio ao lado (Entre seres e paisagens), 2000-2024, emerge num ambiente de estudo e trabalho, em que mesas cuidadosamente dispostas no espaço exibem um espólio artístico, documental e fotográfico. O interesse da artista pela história dos objetos que coleciona, ora sistematizando-os de forma poética, ora colocando-os em relação com outros objetos, revela-se nos diversos elementos que compõem a instalação – esculturas, pedras, cerâmicas, desenhos, colagens e fotografias – bem como nos próprios expositores e vitrines resgatados dos armazéns do museu. Entre esculturas de seres fantásticos e sem género – entre o humano e o animal – o gesto, o silêncio e a ideia de presença/ausência são explorados nas colagens, nos recortes de fotografias e versos e no simbolismo das conchas de caracóis.
A importância da palavra na prática artística de Themlitz, para quem texto, objeto e imagem possuem o mesmo valor, é visível em obras nas quais estes elementos estabelecem diferentes narrativas, criando paisagens mentais. A este propósito destacamos A palavra debajo de la lengua, 2023, em que palavras e imagem se entrelaçam numa pintura de paisagem, num espaço aberto à nossa interpretação.
A presença da escrita como silêncio, o caráter imediato da palavra e a possibilidade de criar camadas no campo imagético dos quadros acompanha-nos na última sala dedicada à exposição. À semelhança dos gessos e cerâmicas que se solidificam, originando cores e formas num momento de congelamento, observamos três telas cujas manchas, resultantes do processo de verter tinta líquida e de decalcomania, criam – num apelo ao acaso – sugestões paisagísticas a que a artista acrescenta, numa provocação, frases estampadas.
A encerrar a exposição, dando continuidade ao sentimento de transformação que acompanha a mostra, observamos uma espécie de Atlas, La pared de ámbar, 2023-2024, em que cartazes impressos com desenhos da artista e fotografias de lugares foram digitalmente transformados como colagens e ampliados, criando um enorme mural. Qual papel de parede que se estende até ao tecto, a obra convoca o nosso tempo e olhar, num jogo de descobertas ditado pelo ritmo e fluxo das imagens que, entre manchas e explosões de cores, sombras e texturas nos revelam num todo as várias paisagens que inspiram Susanne Themlitz.
A exposição está patente até dia 13 de abril.