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“Blind spots” ou o princípio da aparente erosão da memória: Diogo Costa na Galeria Sete

Quando desaparecermos enquanto espécie, desaparecem todas as imagens. Esta possibilidade vive da assunção de que a mente humana é a sua única cápsula ou, arrisco, a sua única real intérprete. No entanto, importa recordar Georges Didi-Huberman, que refere que a probabilidade maior está na sobrevivência da imagem em relação à nossa existência individual: «diante dela [da imagem] somos nós o elemento frágil, o elemento passageiro (…) A imagem tem frequentemente mais memória e mais futuro do que o ente que a olha»[1].

Diogo Costa ocupa o piso -1 da Galeria Sete, em Coimbra, com seis pinturas a óleo sobre tela suspensa. São paisagens oníricas, repletas de formas remissoras da natureza, como o próprio artista refere na folha de sala da exposição. São trabalhos de índole impressionista que são subitamente surrealizados pela inclusão de um corpo estranho em cada um deles, uma «forma geométrica alienante»[2] branca que «faz lembrar um chão, um plano, um palco, uma plataforma e/ou uma parede que esconde»[3].

Esta presença aporta um desconforto pelo modo como pretende, aparentemente, constatar uma fuga. Parece, inevitavelmente, que um fragmento da imagem escapou ao espectador, percorrendo todos os trabalhos expostos, na procura de uma certa ideia de movimento infinito, o tal momento contínuo referido no título da própria exposição. A disposição das obras no espaço contribui justamente para uma ideia de viagem ininterrupta deste estranho retângulo – é uma ausência consubstanciada na tela que, num outro nível de entendimento, remete o espectador para questões relacionadas com tempo e visibilidade, e justifica a transcrição das ideias de Didi-Huberman no início deste texto. De facto, estes movimentos oriundos das relações das obras entre si reportam para um fluxo que nos escapa, que acaba por ser exclusivo das paisagens de Diogo Costa, atingindo a sua completude apenas nas suas superfícies pictóricas. Escapa-nos igualmente o fragmento de imagem que, através da époché, nos faz crer que testemunhamos, in loco, a permanente mudança de uma imagem, através do tempo que vai encapsulando e dos olhares que a contemplam. Estes autênticos campos de tensão entre memória e esquecimento são lapsos contínuos que perturbam a própria constância onírica das paisagens que os acolhem. Paradoxalmente, estas zonas de aparente esquecimento poderão ser, num qualquer futuro, os reais espaços da reminiscência potencial destes trabalhos – a memória habitará, assim, a sua própria suspensão.

Esta aparente erosão que, como vimos, é pérfida perante uma abordagem incauta, está presente em outros trabalhos do artista ausentes nesta mostra. Na série Blind Spots, Diogo Costa faz sobrepor à representação de cenários florestais pequenos círculos desenhados a carvão que, tal como a forma geométrica alienígena aqui referida, contribuem para a suspensão ou, se preferirmos, para o escamoteamento da imagem.

A exposição Para um momento aparentemente contínuo está patente até dia 8 de fevereiro.

 

[1] Didi-Huberman, Georges. 2017. Diante do Tempo. Lisboa: Orfeu Negro. p. 10.

[2] Da folha de sala da exposição, com texto da autoria do próprio artista.

[3] Da folha de sala da exposição.

Daniel Madeira (Coimbra, 1992) é licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da mesma universidade. Coordenou, entre 2018 e 2021, o Espaço Expositivo e o Projeto Educativo do Centro de Artes de Águeda. Atualmente, colabora com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC).

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