Top

Laboratório de próteses de António Neves Nobre

Um laboratório pressupõe sempre a experimentação. É um espaço controlado, equipado com instrumentos e materiais especializados que se destinam à realização de estudos e análises nas diversas áreas do saber. É concebido para garantir a segurança e a precisão, permitindo a investigação de fenómenos ou a criação de soluções inovadoras. No contexto das artes visuais, o laboratório assume-se como um espaço experimental que instiga a exploração de diversas técnicas, materiais e processos.

Laboratório de próteses, nome da exposição individual de António Neves Nobre na galeria 3+1 Arte Contemporânea, apresenta um conjunto de pinturas a óleo que operam num território híbrido entre a mimese e a abstração, o natural e o artifício. A pintura evoca texturas orgânicas, que tanto podem remeter a folhas, veios e tecidos vegetais, como a corpos líquidos que se expandem pela tela.

O termo “prótese”, presente no título da exposição, carrega consigo a ideia de substituição, de um elemento fabricado que ocupa o lugar de algo natural ou perdido. O artista, parece refletir sobre esta noção ao criar pinturas que se apresentam como fragmentos de uma natureza reconstruída — superfícies que sugerem, mas que nunca afirmam completamente a presença de um mundo orgânico. Neves Nobre constrói uma superfície pictórica que se apresenta como vestígio e, simultaneamente, artifício.

As pinturas de pequeno formato, isoladas nas paredes brancas da galeria, reforçam o conceito de prótese e laboratório. Por um lado, cada tela parece um fragmento retirado de um organismo maior, amostras de uma realidade imaginária. Por outro, o tamanho das obras (40x30cm) requer uma aproximação do espetador, invocando um olhar íntimo e microscópico que alude à atmosfera do laboratório.

A prótese substitui sempre algo essencial, algo que deixa de funcionar, que se perde ou que sentimos ter-se perdido. Porém, a substituição carrega em si a marca da ausência, o vestígio do que já não está. A prótese é um artifício que tenta restaurar a continuidade, mas que, paradoxalmente, evidencia a fratura. António Neves Nobre expande a noção de prótese para o território simbólico, tornando a própria imagem pictórica num campo de substituições.

Neste sentido, a escolha do artista de não possuir uma folha de sala — e de não intitular as obras —, reforça a ideia de prótese como elemento de substituição e ausência. A falta de um texto deixa o espetador sem guia, sem um suporte que faculte um sentido pré-determinado. O observador é confrontado diretamente com a obra, sem um discurso intermediário que conduza a perceção. Este gesto do artista, obriga o espetador a confrontar-se com a ambiguidade e o enigma das imagens e a construir significados a partir das suas próprias associações.

É um laboratório onde não existem respostas, apenas vestígios, fragmentos e superfícies que sugerem, mas que nunca afirmam completamente. E o espetador torna-se parte do processo experimental, reconstruindo o sentido a partir da sua experiência sensível e subjetiva.

Ao recusar-se a ditar indícios sobre o significado das pinturas, António Neves Nobre cria um espelho simbólico, onde o espetador se vê a si mesmo. Mas o que leva o artista a fazer essa escolha? Pode imaginar-se que o artista procura desviar a atenção do espetador das suas próprias fraturas, ausências e conflitos. E assim sendo, o desvio ocorre porque a obra nasce de um lugar vulnerável. Ao criar pinturas que lidam com a ausência, perda e substituição, o artista está diretamente a trabalhar sobre as sombras. Talvez as suas.

Laboratório de próteses, está patente até 8 de março de 2025 na Galeria 3+1 Arte Contemporânea.

 

Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)