um gesto, todos os desenhos: O Desenho como Pensamento
O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, estabeleceu-se como referencial para o ideal de beleza e harmonia nas proporções, no que concerne à figura humana, a partir do conceito de Marco Vitruvio Polião. Em termos formais, este desenho revela um corpo masculino com dois braços e duas pernas. Desta duplicação dos membros superiores surge uma certa ideia de multiplicidade do gesto, constatando, direta ou indiretamente, que na ação humana vivem todas as possibilidades gestuais da espécie. É esse o fio curatorial desta exposição. Um gesto comum, universal, o de desenhar, recebe as mais variadas respostas. O gesto em potência e a potência do gesto refletido no estado final, que é neste caso o desenho exposto.
Se sabemos da existência de gestos previsíveis, soporíferos, a arte é o reduto último da imprevisibilidade da ação (talvez com exceção para o seu criador, o artista). No desenho, a temática aqui abordada, se o virmos como esquisso, preâmbulo de algo, a sua potência é já por si imensa e a capacidade do gesto que o principia é totalmente imensurável até à instância da sua visibilidade, onde inevitavelmente ocorre um certo cerceamento. Ao vê-la à luz da contemporaneidade, esta disciplina artística revela-se na sua amplitude infinita (uma infinitude braçal, se nos recorrermos novamente do desenho de Da Vinci). O desenho é o seu próprio apagamento, a sua reinvenção, a sua indelebilidade. O desenho é também o anonimato do que aparentemente não sobrevive ao crivo da visualidade, mas que chega a ser uma espécie de desenho para além do desenho.
Esta exposição coletiva, que marca o início da terceira edição do ciclo O Desenho como Pensamento, com organização de Alexandre Baptista, recebe a curadoria de João Silvério e o título, um gesto, todos os desenhos, foi justamente o ponto de partida para este texto. João Silvério reifica o pensamento curatorial na ideia de que “em cada movimento do corpo há uma ideia de desenho ou uma ideia desenhada, mesmo que de forma involuntária”[1] e que a apreensão do real, simbólica e subjetiva, desenha o mundo de todos e de cada um. A multiplicidade das obras expostas e a sua relação com o campo expandido do desenho espelham isso mesmo
João Silvério define a obra Universal Declaration of Human Rights and an image of beauty converted into binary code (cyan version) (2014-2015), de João Onofre, como fundadora do princípio curatorial. Trata-se de um trabalho no qual a Declaração Universal dos Direitos Humanos é traduzida para linguagem binária. Para além da dimensão da própria Declaração, falamos de uma obra que é um desenho na sua consequência, na sua colateralidade.
Ao longo da exposição o desenho é dado a ver com a pluralidade que nos é historicamente coeva, numa expansão conceptual que alcança possivelmente o seu pináculo na escultura sonora DesVia, de Pedro Tudela. Nesta obra audível percecionamos, em loop, um lápis a cair no chão.
A visitar, no Centro de Artes de Águeda, até dia 9 de fevereiro de 2025. Com Ana Caetano, André Almeida e Sousa, Carlos Figueiredo, Catarina Marques Domingues, Conceição Abreu, Francisca Aires Mateus, Helena Valsecchi, João Onofre, José Drummond, Juliana Matsumura, Leonor Neves, Maíra Ortins, Miguel António Domingues, Nikolai Nekh, Pedro Tudela, Rita Gaspar Vieira, Susana Mendes Silva, Tomaz Hipólito e Vasco Barata.
[1] Do texto da folha de sala da exposição, da autoria de João Silvério.