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A Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira 24

A Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira (BF24), inaugurada a dia 30 de Novembro de 2024, reafirma-se como um evento central no panorama da fotografia contemporânea em Portugal. Desde a sua criação, em 1989, a Bienal tem sido um espaço de convergência para artistas e público, promovendo um olhar atento e crítico sobre aquela que tem sido a mais recente prática artística fotográfica portuguesa. Esta edição mantém esse compromisso, reforçando-se enquanto plataforma que valoriza trajectórias artísticas diversificadas. Com uma abordagem transdisciplinar, a BF24 propõe reflexões estéticas que ultrapassam o âmbito da técnica fotográfica, apresentando linguagens visuais com perspectivas inovadoras, de reflexão e experimentação.

Nesta edição, cerca de 130 artistas concorreram aos três prémios: o Prémio Bienal de Fotografia, o Prémio Concelho de Vila Franca de Xira e o Prémio Tauromaquia. Desses, foram seleccionados para exposição no Celeiro Patriarcal Alexandre de Magalhães, Bruno Parente, Catarina Cesário Jesus, Daniel Malhão, Filipe Bianchi, Jorge Vale, Marcos Duvágo, Pedro Rocha, Ricardo Moita, Rodrigo Vargas, Gonçalo C. Silva e Rui Pereira. Este grupo, por meio de diferentes propostas estéticas e investigativas, levanta questões relativas à identidade, memória e transformação. As obras apresentadas na BF24 dialogam directamente, também, com as especificidades culturais e históricas do local, ao mesmo tempo que reflectem preocupações globais. Essa articulação entre o local e o global permite que as narrativas se expandam, criando um espaço para a intersecção de significados.

O Prémio Bienal de Fotografia foi atribuído a Alexandre de Magalhães, pela série CÓCLEA, um trabalho que se destaca pela maturidade técnica e profundidade conceptual, subvertendo a ideia da fotografia como registo objectivo. Magalhães explora a fragmentação narrativa, criando imagens que evocam, de forma poética, onírica, um deslocamento e transitoriedade de paisagens, propondo a fotografia como uma espécie de portal, um espelho que distorce e amplifica as percepções humanas. O artista descreve o seu trabalho como uma alusão ao “murmúrio das forças imperceptíveis dos sistemas geológicos da Terra que operam acima e abaixo da superfície”[1]. Nas suas caminhadas por bosques, rios e montanhas, Magalhães explora “frequências subliminares que normalmente se perdem na cacofonia da actividade humana”, desafiando a noção de tempo linear e apresentando camadas de interpretação que ampliam as capacidades perceptivas do espectador. Ao desconstruir o visível, CÓCLEA propõe uma visão da fotografia como um espaço de intersecção entre o real e o imaginado.

O Prémio Concelho de Vila Franca de Xira foi concedido a Ricardo Moita, pela série CIMIANTO, que revisita as instalações abandonadas de uma antiga empresa de amianto. Moita utiliza a degradação material do espaço como metáfora para explorar a passagem do tempo e a memória dos objectos. O projecto, que aborda também questões ambientais e sociais, convida a reflectir sobre como as narrativas de um lugar se transformam ao longo do tempo. Nas palavras do artista, “algumas coisas mantém-se iguais, mas contam-nos histórias diferentes, interesso-me por explorar este jogo de significados e encontrar objectos que não sei o que são”. Essa abordagem ressalta a capacidade da fotografia de capturar as múltiplas camadas de significado que emergem das interações entre espaço, tempo e memória.

O Prémio Tauromaquia — tema que, apesar de profundamente enraizado na identidade cultural da cidade, me parece, à luz das sensibilidades éticas e valores actuais, suscitar reflexões quanto à pertinência da sua continuidade no contexto contemporâneo — foi atribuído, nesta edição, a Pedro Rocha, pela série BRAVA, que se destaca por documentar momentos informais que antecedem ou sucedem a corrida de touros. O trabalho oferece uma visão dos bastidores da tauromaquia, afastando-se da “pose formal” que tradicionalmente caracteriza este universo.

Além dos prémios principais, foi atribuída uma menção honrosa a Filipe Bianchi, pelo trabalho que explora a identidade do bairro de Jamestown, em Acra, capital do Gana. A série retrata a resiliência e a esperança de uma comunidade marcada pela pobreza: “No coração dessa comunidade pulsa um ritmo implacável: o ritmo do boxe (…)”. O trabalho apresentado transcende fronteiras geográficas e culturais, dialogando com questões universais de resistência e transformação.

A presente edição contou com um Conselho de Curadores composto por Cláudio Garrudo, Pauliana Valente Pimentel e Sofia Nunes, que seleccionaram os projectos candidatos aos vários prémios. O Júri de Premiação incluiu Ana Anacleto, Bruno Sequeiro, David Santos, Isabel Nogueira e José Maçãs de Carvalho.

Para além desta exposição, que é prova do cuidado em privilegiar as narrativas individuais de cada autor, é de referir também outros dois momentos curatoriais distintos. Com curadoria de Ana Rito, o programa intitulado Serpente Infinita compreende a apresentação de projetos individuais de 18 artistas. Num primeiro momento, inauguraram as exposições na Fábrica das Palavras (com Adriana Molder, Anna Maria Maiolino, Bárbara Fonte, Brígida Mendes, Bruce Nauman, Daniela Ângelo, Denilson Baniwa, Elisa Azevedo, Igor Jesus, Inês Moura, Irit Batsry, Paulo Arraiano, Sandra Rocha, Sr. Teste, Tris Vonna-Michell), na Galeria Paulo Nunes (Carla Cabanas), no Núcleo Museológico do Mártir Santo (Damir Očko), e foram feitas intervenções na Fachada do Museu Municipal, Hall e Fachada do Museu Neo-Realismo (Paulo Arraiano). A 15 de Fevereiro inaugura a exposição colectiva com a participação de Adriana Molder, Bárbara Fonte, Brígida Mendes, Daniela Ângelo, Elisa Azevedo, Igor Jesus, Inês Moura, Institut Lumière, Irit Batsry e Tris Vonna-Michell.

A exposição no Celeiro Patriarcal, com as obras dos artistas seleccionados e premiados, pode ser visitada até dia 19 de Janeiro de 2025.

 

Nota: a autora não escreve sob o abrigo do AO90.

[1] Esta e todas as outras citações presentes no texto foram retiradas do catálogo que acompanha a exposição.

Maria Inês Augusto, 33 anos, é licenciada em História da Arte. Passou pelo Museu de Arte Contemporânea (MNAC) como estagiária na área dos Serviços Educativos e trabalhou durante 9 anos no Palácio do Correio Velho como avaliadora e catalogadora de obras de arte e coleccionismo. Participou na Pós-Graduação de Mercados de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa como professora convidada e actualmente desenvolve um projecto de curadoria de exposições de artistas emergentes. Tem vindo a produzir diferentes tipos de textos, desde publicação de catálogos, textos de exposições a folhas de sala. Colaborou recentemente com a BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas 2023.

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