Solombra: Luísa Jacinto na Galeria Quadrado Azul, no Porto
Entre a leveza e a densidade, a linha e a cor, a luminosidade e a obscuridade. Planos gerais paisagísticos, planos aproximados revelando a sutura e o nervo do pigmento e do traço, num travelling em ralenti ondeante, consoante a gradação dos tons, das cores, das luzes e das sombras, numa ideia muito próxima de suspensão do tempo. Solombra de Luísa Jacinto na Galeria Quadrado Azul (Porto) adensa a questão sobre as possibilidades da pintura na contemporaneidade, enquanto processo transistórico, numa reflexão sobre os seus componentes materiais, formais e estéticos, reequacionando as suas qualidades vinculativas. Jacinto pensa a pintura para além do seu suporte e das paredes brancas, consciente do olhar, dos movimentos e da perceção do espectador no espaço expositivo. A artista, no âmbito da sua última exposição, Shining Indifference (2024) no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) – onde encontramos pontos em comum com Solombra – questiona: “O que é a pintura, e o que pode ser a pintura? O que é um suporte? O que é a adição de cor ou a subtração de luz?”[1]
As interrogações de Jacinto ecoam no projeto expositivo na Quadrado Azul. João Sousa Cardoso, no texto que acompanha a exposição, afirma: “Solombra é, pois, um umbral de perceção, uma porta intangível para os mistérios da tactilidade do ato de ver e do desejo em ver com rigor para melhor compreender os sinais da pintura, o espaço sensível que engendra (imediatamente rítmico) e a condição estética dos seus limites materiais”. Justamente, na prática artística de Jacinto, há um repensar de uma noção de pintura, mas que não deixa ter um senso de poesia, se pensarmos na forma, na cadência e na composição das pinturas no espaço que se vão desenrolando e fazendo sentido ao longo da visita. Inclusivamente, o título da mostra é homónimo do último livro de poesia da autora brasileira Cecília Meireles.
A exposição está dividida em dois momentos contrastantes. Uma série de telas expostas ao longo das duas paredes do espaço variam nos suportes, como o linho, o algodão, ou a tela de poliéster, mas também nas técnicas, como o óleo, o acrílico, o spray, ou o bordado. Sobressaem manchas de cor, marcas, nervuras, suturas, traços e linhas de tecido, na cadência dos nossos passos, pausas, afastamentos e aproximações. No centro da galeria encontra-se uma série de pinturas compostas por borracha sintética, tubos LED, cabos de aço e elétricos, de uma densidade, coloração e luminosidade impactante, justapostas por engradados de linhas de poliéster e resina, que divergem pela transparência, leveza e degradê cromático. Um rol de tecidos vibrantes pendendo do teto, como ondas, num exercício de sobreposições, diafaneidades e opacidades, de cores e obscuridades, de movimentos e pausas. Lembramos William Turner, Paul Cézanne, Claude Monet, ou Mark Rothko e a color field painting americana nessa relação histórica com a pintura, através de um olhar contemporâneo.
O projeto expositivo denota uma ideia de cinema, numa conceção de montagem atenta à temporalidade da experiência estética, uma das matérias essenciais da sétima arte. Aliás, Sousa Cardoso realça essa questão no seu texto, lembrando que uma das telas se intitula Cinema (2022). Enfatizando, também, o carácter háptico desse envolvimento do espectador, do ritmo e do movimento do seu corpo pelo espaço. Deste modo, a galeria torna-se numa espécie de espaço cénico, ou plateau. Recordando as palavras do encenador e cineasta Peter Brook: “Posso chegar a um espaço vazio qualquer e fazer dele um espaço de cena. Uma pessoa atravessa esse espaço vazio enquanto outra pessoa observa – e nada mais é necessário para que ocorra uma ação teatral”.[2]
Solombra de Luísa Jacinto está patente até 18 de janeiro de 2025 na Galeria Quadrado Azul (Porto).
[1] Artista em https://www.youtube.com/watch?v=FNdcCqkUg6U
[2] Brook, P. (2016). O Espaço Vazio. Lisboa: Orfeu Negro, p. 7.