My Pleasure de Joana Villaverde nas Galerias Municipais de Lisboa – Pavilhão Branco
Diante da tela, demoro o olhar, abstraio-me, enquanto lá fora, longe do meu completo alheamento, tudo pode estar a desabar. Deleito-me longamente, e aquieto-me no prazer que me oferecem as esguias pinturas de Joana Villaverde, presentes na exposição My Pleasure, nas Galerias Municipais de Lisboa – Pavilhão Branco, em Lisboa.
A artista consegue transmitir-me, com as suas telas, o prazer que experimenta quando pinta. A satisfação que isso lhe traz. Compraz-me a gestualidade, os movimentos suaves que realiza, as manchas que descreve sobre a tela. A demora do gesto, a sua contemplação. A partilha desse contentamento.
Villaverde abre a sua casa para nos receber.
As longas telas, como portas, cobrem-me com os seus céus e lugares, de uma leveza estonteante. Convidam-me a entrar, fazem-me erguer a cabeça num esforço de apreensão da obra. Procuro dominá-las. Fico confusa – desequilibro-me até. Por fim, conduzem o meu olhar a um tumulto no gesto, a uma pincelada hipnotizante. Arrastam-me para um lugar bem distante. Muito diferente do que as notícias, diariamente, parecem querer revelar-nos. Evado-me por fim. Escapo-me até de mim.
A pintura a óleo de Villaverde torna-se pura percepção.
Vejo longas telas que murmuram tons rubros. Serão labaredas? Outras formam, com sensualidade, remoinhos amarelecidos, imersos em entoações de azul, debruados depois em tons pálidos, como as nuvens de Fragonard. Na pintura Les Hasard Heureux de l’Escarpolette, 1766, do mesmo pintor, mencionada[1] pela artista, uma figura feminina aparece entre árvores frondosas, a rodopiar ao baloiço, e reforça o deleite com que, distraída, se terá abandonado ao prazer do momento. A figura paira e enleia-se num fulgor de céus que volteiam sobre o seu corpo – quem sabe, evitando assim, que o olhar se amarre, ou se prenda, somente, à volúpia, e às excentricidades do seu amante, que a fita enquanto baloiça.
Villaverde diz-nos que é um trabalho “sem obrigações figurativas”, mas o meu pensamento foge para a volúpia das nuvens, e os céus que nos cobrem de espanto.
Há céus com paisagens dentro, como a tela Vigia (2024). Céus dentro de céus. Enfatizando a ideia, uma após a outra, que a pintura se desenrola, ou enrola, imersa na ausência dos limites, na infinitude, como diz a artista.
Certa vez, José Gil terá dito, sobre uma certa pintura: “Estranho e poderoso quadro. Quando o olho sou imediatamente arrastado por um movimento centrífugo que me lança no ar, rodopiando como uma hélice que gira da direita para a esquerda, no sentido inverso do dos ponteiros do relógio. É um movimento turbilhonar de espiral em expansão no espaço. Sou atingido por ele e começo a rodar no ar ao mesmo tempo que o olho de um ponto fixo, aqui. Como, aqui? Onde, aqui, se aquele movimento me levou e me afastou e me afasta cada vez mais, me arranca, deste sítio para não sei onde?”[2].
É justamente isso: para onde? Para onde nos levam as telas de Villaverde? Sem querer enveredar por um caminho arriscado das conjecturas, o certo é que a altura em que as telas estão expostas obriga a um certo exercício aeróbico. A impossibilidade de as vislumbrar na totalidade, ficando votada a pormenorizar apenas algumas partes, remete-me, mais uma vez, ao quadro de Fragonard que a artista cita. Somos a figura feminina que ondula e se desequilibra sobre o baloiço, ou antes o amante que espreita, por entre o entretecido das saias?
Talvez o abstracionismo de Villaverde reverbere no desejo de evasão da realidade, e da vida. Talvez o abstracionismo de Villaverde encontre ecos nas palavras de Ad Reinhardt: “E quanto à realidade do mundo quotidiano e à realidade da pintura? Esses não são a mesma realidade.”[3]
My Pleasure está patente no Pavilhão Branco até 9 de fevereiro de 2025.
[1] Uma das obras presente na exposição My Pleasure, com o título Uma espécie de Fragonard V (2024).
[2] Gil, J. (2015). Poderes da Pintura. Antropos. Relógio D’Água, pp. 9-10.
[3] Harrison, C. (1994). Abstract Expressionism. Concepts of Modern Art. From Fauvism to Postmodernism. Thames and Hudson, p. 170. Tradução livre.